Reindustrializar é preciso...

O IEDI - Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, segundo ele próprio, “foi criado em 1989 e reúne atualmente 50 empresários representantes de grandes empresas nacionais”. Na edição 765 – “Desindustrialização prematura e política industrial” – repercute e apoia estudos internacionais sobre os riscos da desindustrialização precoce e a necessidade de políticas de Estado que revertam esse processo deletério. Vale muito a leitura e a reflexão.

A Carta IEDI de hoje trata de dois estudos recentes que se mostram extremamente pertinentes diante da situação dramática em que a indústria brasileira se encontra, a ponto de arrastar consigo o restante da economia, como temos visto nos últimos anos.
O primeiro estudo retoma a discussão da progressiva e precoce perda de participação da indústria nas economias latino-americanas. Refere-se a um trabalho da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina), intitulado “Desindustrialização prematura na América Latina”. 
Já o segundo estudo traz alguns elementos para a superação deste quadro de desindustrialização à medida que analisa as características e as condições necessárias para uma política industrial moderna e eficaz. Esta contribuição foi preparada pela UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento), sob o título “Política industrial: o retorno” e divulgada em seu relatório anual, o Trade and Development Report de 2016. 
A CEPAL argumenta que Argentina, Brasil, Chile e, em menor grau, México passaram por processos de desindustrialização prematura, aumentando sua especialização em commodities, manufaturas baseadas em recursos naturais e serviços de baixa produtividade em detrimento da indústria de transformação. 
Este movimento pode ser considerado “prematuro” por diferentes razões. Primeiramente, porque as rendas per capita permaneceram baixas em relação aos países desenvolvidos. Como o estudo demonstra, os países desenvolvidos começaram a dar sinais de desindustrialização só após terem atingido patamares elevados de renda per capita, entre US$ 10 mil e US$ 15 mil; já os países latino-americanos em questão sofrem esse processo com rendas per capitais muito abaixo desse patamar: US$ 4,4 mil no caso do Chile, US$ 5,2 mil no caso do Brasil, US$5,4 mil na Argentina e US$7,2 mil no México. 
Em segundo lugar, a CEPAL mostra que os países analisados se especializaram em setores menos produtivos e menos intensos em tecnologia, baseados em recursos naturais – em detrimento dos setores industriais abundantes em trabalho ou engenharia. Como os setores intensivos em tecnologia são capazes de gerar conhecimentos para o conjunto da economia, seu fraco crescimento é um dos motivos para que a produtividade dos demais setores não se eleve substancialmente, impedindo um dos mecanismos essenciais do desenvolvimento. 
Em terceiro lugar, é preciso discernir quais tipos de serviços estão substituindo a indústria. Seria positivo para o desenvolvimento econômico se tais serviços fossem aqueles de alta tecnologia, como os TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação), associados às atividades que adicionam maior valor nas cadeias produtivas globais. 
Entretanto, diferentemente das experiências dos países desenvolvidos, não é isso que ocorre na América Latina, que testemunha uma diversificação produtiva em direção a serviços de baixa produtividade. 
Assim, a desindustrialização prematura das últimas décadas, com mudança estrutural para serviços e para os setores produtores de recursos naturais, impactou negativamente o crescimento da produtividade dos países latino-americanos, especialmente na Argentina, Brasil e México. Por essa razão, pode-se atribuir a esse processo uma das causas principais da estagnação do desenvolvimento econômico latino-americano. 
O emprego de uma política industrial moderna e eficaz poderia ajudar a reverter esse recuo da indústria e, consequentemente, contribuir na construção de uma trajetória de crescimento mais sustentável. 
Segundo a UNCTAD, as políticas industriais bem-sucedidas apresentam algumas características tais como estas que são destacadas abaixo:   
  • Uma burocracia estatal estável e altamente capacitada, estreitamente conectada, mas ainda assim, independente da comunidade empresarial.
  • O apoio à política industrial envolvendo regulação e controle do sistema financeiro e políticas macroeconômicas pró-investimento, incluindo o investimento público direto em algumas linhas de atividade.
  • Os governos capazes de exercer uma função disciplinadora. Para assegurar que os empresários realizassem os investimentos e as mudanças de desempenho acordadas, vinculou-se a aplicação dos instrumentos de política a metas mensuráveis de desempenho em termos de eficiência de produção, investimentos e/ou exportações.
  • Há risco de que o setor privado absorva rendas extraordinárias oriundas de incentivos sempre que o Estado não tem credibilidade e/ou força diante de setores e empresas favorecidas.
  • Há a necessidade de um contínuo processo de aprendizado e avaliação independente para assegurar que as políticas e as instituições se adaptem e se modifiquem quando as condições mudam.
  • A política industrial em países em desenvolvimento enfrenta grandes desafios. Além de ter que superar o diferencial tecnológico e de custo em seus esforços de catch-up, esses países esbarram em várias restrições para autonomia da política doméstica e também precisam lidar com as exigências das cadeias globais de valor.

A desindustrialização prematura da América Latina segundo a CEPAL 


Em recente estudo, Mario Castillo (chefe da Unidade de Inovação e Novas Tecnologias da Comissão Econômica para a América Latina – CEPAL/ ONU) e Antonio Martins Neto (consultor da CEPAL) afirmam que a Argentina, o Brasil e o Chile passaram por processos de desindustrialização prematura, com o aumento da especialização em commodities, manufaturas baseadas em recursos naturais e serviços de baixa produtividade. 

A mudança estrutural de atividades de baixa produtividade, como a agricultura de subsistência e serviços informais, para outras de maior produtividade permanece sendo um desafio nos países da América Latina. Entretanto, na maioria deles, a industrialização avançou no pós-guerra associada à urbanização, atingindo seu pico, mas desacelerando antes da hora. 

Em outros termos, o que tem ocorrido é que a parcela do setor de serviços no valor adicionado total e também no emprego da América Latina tem aumentado nas últimas décadas, em substituição à indústria. Há evidências de que esse movimento é mais forte no Brasil e na Argentina do que no México e no Chile. Hoje, nestas nações as taxas de emprego e de valor adicionado da transformação industrial em relação ao total são parecidas com as dos países desenvolvidos.

No caso da Argentina, os autores afirmam que o país passou pelo pico da participação da indústria na economia nos anos 30. Em termos de emprego, a parcela da indústria de transformação sobre o total caiu constantemente de 1950 a 2010, de 27% a 12%. Nos outros três países a parcela da indústria no valor adicionado e do emprego do país teve uma trajetória de U invertido ao longo do tempo, com pico ao final dos anos 1960 no Chile (20%) e em meados dos anos 1980 no México (20%) e no Brasil (13,5%). Em 2010, a participação da indústria de transformação alcançou, respectivamente, 10%, 15% e 12% nesses países. 

Durante o período de substituição de importações (1950-1975), o Brasil e o México assinalaram acelerado crescimento da produtividade do trabalho, como resultado da mudança estrutural – já que deixavam de ser economias agrícolas. Mas nas décadas seguintes, a mudança estrutural desacelerou, bem como o crescimento da produtividade. Castillo e Martins Neto, apontam, ademais, que de 2000 a 2011 a produtividade da indústria de extração mineral no Brasil foi cinco vezes maior do que a da indústria de transformação.

A Argentina, em contraste, já tinha uma parcela elevada da indústria no emprego e no valor adicionado nos anos 1950, mas se reduziu ao longo das décadas seguintes, apresentando queda da produtividade dos anos 1970 aos 1990. No Chile, em especial, a agricultura também perdeu importância relativa entre os anos 1950 e 1970; porém, é preciso levar em conta que a indústria extrativa absorveu parte de sua parcela no emprego e no valor adicionado, com uma produtividade bem mais elevada do que a dos outros setores da economia. 




Vista como uma tendência natural, pela qual já passaram diversos países desenvolvidos, a desindustrialização pode ser interpretada como a etapa seguinte à industrialização ao longo da trajetória de desenvolvimento econômico de um país. Isto é, em um primeiro momento, durante a industrialização, ocorre a transferência dos trabalhadores da agricultura para a indústria. Em seguida, durante a desindustrialização, essa transferência dos trabalhadores ocorre da indústria para os serviços. 

Contudo Castillo e Martins Neto argumentam que essa sequencialidade de etapas é uma simplificação extrema do processo de desenvolvimento, já que existem especificidades diversas em cada economia ou regiões que alteram suas trajetórias de desenvolvimento. Exemplo disso é que existem evidências que mostram que em alguns países a trajetória dos indicadores desindustrialização não se parece uma curva de U invertido, como se é esperado. Diante da realidade das cadeias globais de valor, que implicam a fragmentação das atividades produtivas em diversos países, mudou-se a dinâmica da industrialização dos países. 


A desindustrialização desse conjunto de países latino-americanos analisados pelos autores pode ser considerada “prematura” por diversas razões. 

Primeiramente, porque suas rendas per capita permaneceram abaixo daquelas dos países desenvolvidos quando também passaram por uma desindustrialização. Como o estudo demonstra, os países desenvolvidos começaram a dar sinais de desindustrialização só após terem atingido patamares elevados de renda per capita, entre US$ 10 mil e US$ 15 mil; já os países latino-americanos em questão sofrem esse processo com rendas per capitais muito abaixo desse patamar: US$ 4,4 mil no caso do Chile, US$ 5,2% no caso do Brasil, US$5,4 mil na Argentina e US$7,2mil no México.

Em segundo lugar, estes países se especializam em setores menos produtivos e menos intensos em tecnologia, baseados em recursos naturais – em detrimento dos setores industriais abundantes em trabalho ou engenharia. Como os setores intensivos em tecnologia são capazes de gerar efeitos de transbordamento de conhecimento, seu fraco crescimento é um dos motivos para que a produtividade dos demais setores da economia não se eleve substancialmente, impedindo um dos mecanismos essenciais do desenvolvimento.

Terceiro, é preciso discernir quais tipos de serviços estão substituindo a indústria. Seria positivo para o desenvolvimento econômico se tais serviços fossem aqueles de alta tecnologia, como os TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação), associados a atividades que adicionam maior valor nas cadeias produtivas globais. Entretanto, diferentemente das experiências dos países desenvolvidos, não é isso que ocorre na América Latina, que testemunha uma diversificação produtiva em direção a serviços de baixa produtividade. 

De fato, as estimativas dos autores apontam para uma parcela média de 3,2% da indústria digital no PIB de Argentina, Brasil, Chile e México. Vale observar que nos países europeus essa parcela é de 5%, enquanto nos EUA é de 6,4% e no Japão, de 6,8% (em 2007). Mais além, os ativos das empresas de TIC, na média de 1995 a 2008, representaram 14% do crescimento do PIB do Brasil e 7% nos casos da Argentina, Chile e México. Já nos EUA, essa fração foi de 27% e na União Europeia de 18%. 

Assim, a desindustrialização das economias latino-americanas teve como contraparte, sobretudo, o crescimento da participação dos serviços de baixa produtividade tanto no valor adicionado como no emprego totais da economia. Exemplos desses serviços são as atividades do comércio de atacado e de varejo, restaurantes, etc., associados ao ciclo de crescimento do consumo interno nos anos 2000. Além de perder espaço no PIB e no emprego, a indústria da Argentina, Brasil e Chile também ficou menos diversificada, já que passou por um processo de especialização em setores intensivos em recursos naturais.

Esses dois movimentos guardaram estreita relação com o comportamento do setor externo no Brasil e no Chile. Diante do aumento da demanda e do preço das commodities, a participação dos bens primários nas exportações brasileiras aumentou de 28% para 50% entre 1990 e 2014, enquanto as parcelas dos bens de baixa e média tecnologia regrediram de 25% a 18% e de 14% a 5%, respectivamente. O Chile, por sua vez, ficou preso às exportações primárias durante todo o período, dado que tanto em 1990 como em 2014 os bens primários e os baseados em recursos naturais correspondiam por cerca de 90% de sua pauta. 

Todavia, não se pode dizer o mesmo da Argentina e do México, pois passaram por alterações em seus perfis de exportação, aumentando a parcela de bens manufaturados. No caso argentino, entre 1990 e 2014, a parcela de bens primários nas exportações se elevou de 44% para 48%, mas a de recursos naturais caiu de 31% para 18% e a das indústrias de média tecnologia cresceu de 10% para 22%. No caso mexicano, os produtos primários respondiam por 46% das exportações totais em 1990, caindo para 14% em 2014. Bens de média e alta tecnologia somaram 32% da pauta nos anos 1990 e passaram a representar 66% das exportações em 2014. Essa evolução favorável das exportações de bens mais intensivos tecnologicamente é explicada pelas indústrias maquiladoras.

Como conclusão geral, os autores afirmam que a desindustrialização prematura com mudança estrutural para serviços e para os setores produtores de recursos naturais nas últimas décadas impactou negativamente o crescimento da produtividade nos países latino-americanos, especialmente na Argentina, Brasil e México. Assim, pode-se atribuir a essa ineficiência alocativa uma das causas principais da estagnação do desenvolvimento econômico da América Latina nas últimas décadas. 

Estado desenvolvimentista e política industrial segundo a UNCTAD


Agente presente em todas as experiências de industrialização bem-sucedidas, o Estado desenvolvimentista tem desempenhado um papel catalítico para a mudança da estrutura produtiva em direção a atividades e setores de maior produtividade, de emprego melhor remunerado e maior potencial tecnológico. Desde a revolução industrial inglesa, nenhum país alcançou a transformação da pobreza rural em prosperidade industrial sem fazer uso de política industrial. 

Em todos os atuais países de economia desenvolvida, o Estado desempenhou um papel fundamental como instigador da transformação estrutural, seja estabelecendo um conjunto de mercados para viabilizar o crescimento do intercâmbio e do comércio, seja desenvolvendo instituições, normas e regras para o funcionamento das atividades econômicas, seja incentivando a elevação da taxa de investimento e a diversificação da economia, seja promovendo a ampliação da fronteira tecnológica. Mesmo no período recente, as economias desenvolvidas seguem utilizando a política industrial para ampliar a fronteira do conhecimento e/ou para promover a diversificação econômica. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, várias agências governamentais têm procurado criar uma economia do conhecimento, articulando empresas inovadoras, recursos públicos e novas fontes de financiamento. 

No mundo em desenvolvimento, o Estado foi igualmente ator-chave dos processos de industrialização pós Segunda Guerra Mundial, atuando na construção de capacidade industrial, mobilizando os recursos financeiros necessários para os grandes investimentos e gerenciado os novos trade-offs e tensões associados ao crescimento da atividade industrial. Todavia, apenas o grupo de países do Leste da Ásia, onde a política industrial foi parte essencial de um mix de políticas que estimulou um robusto “nexo lucro-investimento-exportações”, obteve sucesso em diversificar a produção e em encontrar novos mercados dinâmicos, internos e externos. Mesmo quando nas décadas de 1980 e 1990 difundiu-se a ideia de que a política industrial era fonte de distorção de mercado e falhas de governo, esses países prosseguiram na utilização de política industrial para acelerar e aprofundar suas trajetórias de industrialização. 

Da comparação das experiências bem-sucedidas de transformação estrutural, que cobrem diferentes contextos históricos, emerge, de acordo com a UNCTAD, um tipo particular de relação entre o Estado e o setor empresarial, marcada pela combinação aparentemente contraditória de laços estreitos, interdependência e independência. Todos os países bem-sucedidos possuíam uma burocracia estatal, estável e altamente capacitada, estreitamente conectada, mas ainda assim, independente da comunidade empresarial e com acesso a recursos baseados no desenvolvimento paralelo da capacidade fiscal. 

Outro traço comum nos Estados desenvolvimentistas é o apoio à acumulação de capital. Além de assumir parte do investimento de longo prazo, esses Estados coordenavam o esforço de deslocar recursos dos setores tradicionais para as atividades industriais, reduziam deliberadamente os riscos e ampliavam a lucratividade nas indústrias consideradas importantes. O apoio à acumulação envolvia, igualmente, forte regulação e controle do sistema financeiro e políticas macroeconômicas pró-investimento, incluindo o investimento público direto em algumas linhas de atividade. 

Segundo o estudo, os diferentes Estados desenvolvimentistas, da Escandinávia ao Leste da Ásia, não se engajaram com o setor privado em termos genéricos, mas sim com grupos empresariais e interesses específicos. Os formuladores de políticas selecionavam os grupos empresariais e trabalhavam próximos a eles. Os fluxos de informação e de influência se moviam em ambos os sentidos. Os grupos empresariais pressionavam por políticas que os beneficiavam enquanto as instituições governamentais influenciavam, por meio de políticas industriais proativas, as estratégias empresariais. Em vários países, foram criados conselhos com representantes do governo e do setor privado, que atuam para reconciliar interesses divergentes, coordenar expectativas e para facilitar e monitorar a aplicação da política. 

Nesses países, os governos foram capazes de exercer a função disciplinadora, que é essencial para o sucesso da política industrial. Para assegurar que os empresários realizassem os investimentos e as mudanças de desempenho acordadas, vinculou-se a aplicação dos instrumentos de política a metas mensuráveis de desempenho em termos de eficiência de produção, investimentos e/ou exportações, como foi o caso no Leste da Ásia. Sem mecanismos de controle dos requerimentos de desempenho, a capacidade do governo em persuadir a transformação das atividades empresariais fica bastante enfraquecida, como demonstra as experiências, passadas e recentes, de política industrial na América Latina. 

Da história comparativa da política industrial, o estudo da UNCTAD extraiu importantes lições do uso prático dos diferentes instrumentos e ferramentas de política, os quais são bem conhecidos, não obstante os detalhes particulares que variam com o contexto de desenvolvimento e os desafios impostos pela redução do espaço de políticas. De uma maneira ou de outra, tarifas, subsídios, acesso ao crédito, compras governamentais, propriedade estatal e medidas regulatórias, integram o arsenal de instrumentos dos formuladores de política que buscam diversificar e modernizar as estruturas de suas economias. 

De acordo com a UNCTAD, no passado, era usual distinguir entre política vertical, que priorizava atividades, setores e empresas, e política industrial horizontal, que enfatizava as melhorias no ambiente econômico como um todo mediante a provisão de infraestrutura de transporte, suprimento adequado de energia e força-de-trabalho suficientemente educada. Enquanto o primeiro tipo era considerado uma política ativa, o segundo tipo era considerado uma política neutra. Tal distinção é, em grande medida, artificial, pois mesmo as supostamente neutras políticas horizontais beneficiam mais alguns setores e atividades do que outros. Como na prática, não existe políticas universal e indiferenciada, o estudo sugere que os formuladores de política aceitem esse fato e se esforcem para efetuar a escolha correta de quais setores e atividades priorizar, de modo a estabelecer um nexo dinâmico entre lucros e investimentos. 

A China fornece um exemplo da experiência recente de um Estado que vem desempenhando um papel proeminente no estabelecimento de um nexo dinâmico lucro-investimento-exportação mediante um conjunto de medidas de caráter mais geral combinadas com intervenções seletivas e específicas em diferentes níveis. A composição dos instrumentos e medidas utilizados se altera ao longo do tempo de acordo com as prioridades do planejamento de longo prazo. 

Um passo crítico da aplicação da política industrial em apoio à transformação estrutural e à modernização industrial reside na provisão, monitoramento e disciplinamento da taxa de retorno. Taxas de retorno extraordinário (rents) têm sido utilizadas para promover a aceleração da acumulação de capital e para guiar a economia para setores com maiores articulações, sofisticação tecnológica e altos níveis de produtividade. Embora em uma perspectiva estática, o retorno extraordinário é resultado de ineficiências, o retorno mais elevado associado a um atributo distinto ou a inovação desempenha, em perspectiva dinâmica, um papel importante na evolução do capitalismo. 

Política industrial frequentemente opera por meio da criação de retorno extra para setores favorecidos, mediante proteção seletiva para atualização tecnológica, subsídios e arranjos de crédito diferenciados, provisão de serviços governamentais para as empresas. Todavia, é preciso evitar que a busca de retorno extraordinário se transforme em uma estratégia alternativa de criação de riqueza que ao invés de se basear em investimento produtivo se baseia na captura de privilégios. Esse risco aumenta quando o Estado não tem credibilidade e/ou força para anular suporte financeiro aos setores e empresas favorecidos quando há baixo desempenho. 

O estudo defende um contínuo processo de aprendizado e avaliação independente para assegurar que as políticas e as instituições se adaptem e se modifiquem quando as condições mudam. Defende também que as associações industriais desempenhem um papel dual de promover o aprendizado tecnológico e de monitorar os esforços de aprendizado do conhecimento tácito, o qual só pode ser adquirido no ambiente de trabalho por meio de experimentação. 

Em um contexto de economia global mais aberta e interdependente, mas também mais desigual e mais financeirizada e, portanto, mais instável, a política industrial ou política de transformação produtiva permanece essencial para acelerar, alargar e aprofundar as trajetórias de industrialização. Tal constatação é válida tanto para as economias desenvolvidas, onde se observa, no período recente, um maior envolvimento do Estado no suporte às empresas privadas, dado o ambiente de maior incerteza e de maiores riscos na economia global crescentemente instável, como nos países em desenvolvimento. Para esses últimos, os desafios são ainda maiores. Além de ter que superar o enorme diferencial tecnológico e de custo, em seus esforços de catch-up, os países em desenvolvimento enfrentam várias restrições à autonomia da política doméstica e também precisam lidar com as exigências das cadeias globais de valor, sob o controle estrito privado.

Recomendações de Políticas da UNCTAD


O estudo sugere que para ser efetiva na promoção da transformação estrutural em direção a atividades com crescente produtividade e melhores salários, a política industrial, com seus instrumentos e alavancas, deve estar inserida em um pacote de políticas, integradas e interconectadas. É necessário que as políticas de comércio, de concorrência, de trabalho e as políticas macroeconômicas estejam todas alinhadas com a transformação estrutural. Igualmente, é necessário que esse pacote de políticas seja adaptável, se modificando de acordo com as alterações das restrições e das capacidades. 

No que se refere à política de comércio internacional, o relatório ressalta que os formuladores de política devem estar atentos ao fato de não ser mais possível nos dias atuais adotar uma estratégia de expansão industrial liderada pelas exportações à semelhança da estratégia adotada no passado pelos tigres asiáticos. Cultivar capacidades domésticas pode ser uma melhor estratégia do que buscar conquistar mercados particulares. Também sugere que os formuladores de política evitem estratégias de compressão salarial ao invés de se concentrar na capacitação da força-de-trabalho. Tais estratégias não são benéficas nem sustentáveis. 

O estudo alerta igualmente para a necessidade de conferir maior atenção à política de concorrência, dado o atual domínio de mercado das empresas multinacionais. Ainda que essas empresas não apresentem um comportamento explícito de cartel ou de abuso de posição dominante por meio de práticas restritivas, haveria indícios de um ambiente menos competitivo, tais como os elevados preços dos serviços bancários, transporte e eletricidade. Ademais, há uma combinação de crescente concentração no topo das cadeias globais de valor e uma crescente competição na base dessas cadeiras, situação que poderá requerer a criação de uma nova instituição global, que se ocupe do monitoramento das tendências concorrenciais nos diversos segmentos dessas cadeias e entre os setores. Tal monitoramento é necessário para assegurar que as empresas que não participam das cadeias globais não sejam injustamente impactadas. 

Políticas macroeconômicas pró-crescimento são essenciais para o sucesso da política industrial. A importância da política macroeconômica é ainda maior nos países com industrialização restringida ou já em processo de desindustrialização. Os governos que buscam promover uma mudança estrutural para indústria ou serviços tecnologicamente mais sofisticados precisam adotar políticas que assegurem níveis elevados de demanda agregada e de investimento e taxas de câmbio estabilizadas em um patamar que não coloque em risco a competitividade da demanda doméstica. 

Experiências recentes nos países em desenvolvimento mostram que políticas macroeconômicas ativas envolvendo juros e câmbio são componentes essenciais de uma política integrada. Altas taxas de juros em um contexto de política monetária restritiva e câmbio sobrevalorizado têm impacto negativo sobre os investimentos e as exportações. Além disso, afetam a competitividade dos bens intermediários domésticos e impedem a consolidação (ou enfraquecem) dos elos a montante e a jusante da estrutura industrial. Em contraste, baixas taxas de juros e câmbio desvalorizado são fonte de vantagens competitivas. Todavia, é preciso considerar que a depreciação cambial ao elevar o custo da importação de máquinas e equipamentos, pode minar os esforços para atualização tecnológica. 

Políticas fiscais também são essenciais para a manutenção de um ambiente econômico estável, mas em crescimento. Não só a política fiscal anticíclica é fundamental para a estabilização macroeconômica e, por consequência, para as expectativas dos investidores, como o Estado é o principal investidor em infraestrutura. Virtualmente em todos os países, há investimento público em transporte, eletricidade e em outros serviços de logística. De acordo com a UNCTAD, políticas de austeridade fiscal são perniciosas não somente para atividade no curto prazo, mas principalmente para a transformação estrutural, dado que tende a limitar o investimento público que é crítico para seu futuro crescimento e diversificação. 

Outros instrumentos de política macroeconômica que tem uma influência direta na transformação estrutural incluem as políticas de distribuição de renda. Tais políticas que visam elevar o poder de compra da população em geral e dos trabalhadores em particular deveriam ser o principal ingrediente de uma estratégia que priorize a expansão do mercado doméstico como fonte de crescimento. Medidas como fixação de um salário mínimo, tributação direta e programas de bem-estar, as quais podem efetivamente gerar elevação de salário próxima aos ganhos médios de produtividade, cumprem um duplo papel: ajudam a sustentar a demanda agregada e desencadeiam melhoras na produtividade mediante demanda liderada por progresso técnico. 

O relatório também enfatiza a importância da política financeira para reativar os nexos entre os lucros e os investimentos, os quais se enfraqueceram, ou mesmo romperam, em inúmeras corporações em um grande número de países. Isso não significa que as empresas não sejam lucrativas e sim que ao invés de investir em novos produtos e processos, ampliando a capacidade produtiva, essas empresas estão aplicando os lucros em ativos financeiros, ou comprando de volta as suas ações ou pagando dividendos. 

O financiamento interno, com recursos próprios acumulados, ainda é a principal forma de financiamento dos investimentos na maioria das empresas nos países em desenvolvimento e em muitas empresas nas economias desenvolvidas. Todavia, evidências confirmam que as empresas com crescimento mais rápido e mais produtivas são aquelas que têm acesso a fontes externas de financiamento de longo prazo. 

Por essa razão, assegurar que os investimentos necessários à transformação produtiva não sejam frustrados por escassez de financiamento é um elemento central das estratégias bem-sucedidas de industrialização. Países desenvolvidos e em desenvolvimento, nos quais a política industrial permanece como importante motor da transformação estrutural, se apoiam significativamente nos seus bancos nacionais de desenvolvimento. O acesso ao crédito em condições favoráveis deve ser, todavia, realizado de forma condicional ao cumprimento de vários requerimentos de desempenho. A regulamentação financeira pode ser utilizada como um instrumento para a promoção da industrialização e mudança estrutural tornando as transações financeiras menos atraentes que os investimentos produtivos. 

Uma recomendação final é endereçada aos formuladores de políticas de países em desenvolvimento ricos em recursos naturais, os quais são confrontados com desafios específicos para promover a transformação estrutural, a diversificação e a industrialização. Vários desafios para os esforços da política industrial decorrem das características macroeconômicas especiais do setor primário. As receitas externas e as receitas fiscais são fortemente dependentes da produção e exportação das matérias-primas, cujos preços são extremamente voláteis. Outro obstáculo é a conhecida “doença holandesa”, que ameaça os esforços governamentais para a diversificação da economia, uma vez que a apreciação da moeda doméstica associada ao aumento das receitas de exportação de commodities em um contexto de elevação internacional dos preços afeta a competitividade das exportações dos demais produtos e desencoraja a produção doméstica nos setores afetados pela concorrência de produtos importados. Para combater esses problemas e fortalecer a capacidade de resistência, vários países exportadores de commodities tem procurado apoiar as metas de política industrial mediante a criação de fundos de riqueza soberana.  

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