Como a decisão de Cármen Lúcia coloca em risco a Lava Jato


Do Jornal GGN - Na contramão dos conselhos que recebeu publicamente de outros ministros do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, presidente da corte, decidiu homologar, nesta segunda (30), o pacote de delações da Odebrecht entregue à Operação Lava Jato. A expectativa era de que, a pedido da Procuradoria Geral da República, a magistrada levantasse o sigilo das delações. Mas ela decidiu manter sob segredo de Justiça, dando margem aos já conhecidos vazamentos seletivos da Lava Jato.

Há alguns dias, a grande mídia vinha noticiando que Cármen Lúcia não queria deixar para um novo ministro indicado por Michel Temer a relatoria da Lava Jato. Buscava uma solução interna. Os ministros divergiram a respeito do método de escolha: alguns apontaram que a redistribuição do processo por meio de sorteio era o caminho mais seguro, fosse entre os membros do pleno ou da segunda turma do STF. Outros, liderados por Gilmar Mendes, apontaram que Cármen Lúcia deveria seguir o regimento interno e aguardar decisão de Temer. Essa hipótese considera que, juridicamente, a Lava Jato não demanda nenhuma ação urgente do Supremo.

Nos bastidores, ventilou-se que Cármen Lúcia queria emplacar Edson Fachin ou Luis Roberto Barroso na relatoria da Lava Jato. Se houvesse consenso, um dos dois minitros - sendo Fachin, o favorito - seria transferido para a segunda turma do STF para ocupar o lugar deixado por Teori Zavascki, morto em um acidente aéreo. O problema é que não houve consenso. O único ministro que reunia mais apoio é o decano Celso de Mello.

Em meio ao conflito e sob pressão da mídia e setores da sociedade organizada, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Cármen Lúcia avocou para si a responsabilidade de homologar imediatamente as delações e decidir em breve a relatoria. Ela só poderia tomar essa atitude até amanhã, dia 31, quando se encerra o recesso do Judiciário, pois é o período em que ela funciona como a juíza máxima de plantão, operando mediante os pedidos de urgência.

Aos jornais, ministros disseram que essa hipótese de homologar sozinha as delações sem um relator definido poderia fazer a Lava Jato no Supremo ser judicializada.

Marco Aurélio Mello comentou que resolver só a homologação seria errado, coisa de ditadura do Judiciário, pois não há urgência que justifique este ato. Principalmente porque Cármen Lúcia não teria tempo hábil para avaliar o que foi feito pela equipe de Teori, incluindo eventuais modificações. Os juízes auxiliares concluíram a etapa anterior à homologação na última sexta (27), com aval da presidente.

Para Mello, o importante era "redistribuição imediata da relatoria". "A ministra Cármen pode e deve fazer isso. Mas avocar não pode. Avocar por quê? Começaria mal esse processo de substituição do ministro Teori. A avocação é um instituto do regime de exceção. Usar isso agora? Somos todos democratas por excelência. Não que eu não acredite no taco da presidente. Mas não convém inverter a ordem natural do processo", disse ao jornal O Globo, no dia 23 de janeiro.

"A ministra Cármen Lúcia tem dúvidas se a avocação não seria uma atitude muito arriscada. As partes envolvidas poderiam questionar. E sabemos que o ministro Teori questionava uma série de coisas do que já tinha sido adiantado pela equipe de juízes auxiliares nos depoimentos da delação da Odebrecht. Ele, em sua decisão, faria ressalvas que poderiam possibilitar inclusive o reexame da matéria. Portanto a ministra não teria como fazer uma homologação automática", disse outro ministro que não quis se identificar.

Por "partes envolvidas" entende-se que a Procuradoria até pode, mas talvez não faça caso das delações porque a rapidez, independente de quem homologasse, era de seu interesse. Mas a defesa dos futuros réus podem não concordar com isso.

O regimento interno diz expressamente que em caso de morte de um ministro, as ações em andamento serão herdadas por um novo relator. Outros caminhos foram trilhados por ex-presidentes do STF, mas desenbocavam na escolha inevitável de um relator. Ao matar no peito a homologação, Cármen Lúcia entendeu que a Lava Jato é urgente. Mas se há ministros discordando publicamente dessa questão, judicializar o processo pode favorecer os reclamantes. 

O jornalista Kennedy Alencar observou que Cármen Lúcia fez o que fez porque "brechas" no regimento interno lhe conferiram esse "poder". "Não era o caminho preferido de colegas dela no STF, mas o regimento da corte é suficiente amplo para dar esse poder à presidente." Ainda de acordo com ele, "a homologação feita pela presidente do STF é uma atitude política de Cármen Lúcia para atender a um desejo da opinião pública."

Sigilo


Até o momento, foi divulgado que Cármen Lúcia fez a homologação das 77 delações, mas ainda não há mais detalhes.

O fato de a presidente do Supremo ter mantido o sigilo do material, ao contrário do que solicitou o procurador-geral Rodrigo Janot, abre caminho para um expediente já conhecido da Lava Jato, utilizado para criar o clima ideal para o impeachment de Dilma Rousseff: os vazamentos seletivos.

O pedido de Janot para dar transparência ao que os delatores entregaram sobre centenas de políticos de vários partidos foi uma resposta aos primeiros vazamentos associados à Odebrecht, que ocorreram logo após a conclusão dos trabalhos pelo Ministério Público Federal. Janot não pôde evitar vazamentos que atingiram inicialmente o governo de Michel Temer e a cúpula do PMDB. Por isso, pediu que o sigilo fosse retirado.

Agora, o pacote da Odebrecht retorna à Procuradoria, que fará uma seleção do irá virar pedido de inquérito ao Supremo e o que vai para a gaveta sem que a sociedade saiba.

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