"Terra de surpresas", por Fernando Neisser

Não posso aplaudir a decisão que afastou Renan da Presidência do Senado. Antes esclareço: não o escolheria para presidir a assembleia do meu condomínio. Se me tentasse vender um carro usado, provavelmente nunca mais compraria um veículo. De qualquer pessoa.

Mas... a Constituição não prevê seu afastamento da presidência de um Poder por ter contra si recebida uma ação penal. Simples assim. A construção feita pelo STF não faz sentido. Uma pessoa pode ser candidata a Presidente da República enquanto responde a uma ação penal.

Pode até ter sido condenada em primeira instância. Lembremos que a Lei da Ficha Limpa prevê ser inelegível quem foi condenado em segunda instância, não aquele que apenas responde a um processo.

Essa pessoa, se ganhar, poderá assumir a Presidência e exercer o mandato. Seu processo, anterior ao início do mandato, ficará suspenso e voltará a correr apenas depois dos quatro anos, suspendendo-se também a contagem da prescrição nesse interregno.

Renan não é Presidente da República, apenas figura na linha sucessória, depois do Presidente da Câmara dos Deputados. Nada, friso, nada impede que siga presidindo o Senado enquanto responde a uma ação penal. É imoral? Incomoda? Seus pares deveriam defenestrá-lo? Seus eleitores virarem-lhe as costas?

Posso concordar. Mas nada disso autoriza o STF a apeá-lo da chefia de um poder ante o recebimento de uma denúncia. Muitos colegas, advogados até, costumam se vangloriar quando uma tese que defendem é aceita no STF.

A frase é corriqueira: viu como eu estava certo? Nada pode ser mais falso. O STF erra e acerta. Não é por sua vontade que o errado se torna certo. Segue sendo errado.

E cabe a quem pensa o Direito, creio eu, apontar esses erros. Não podemos jamais aplaudir uma decisão por gostarmos de suas circunstâncias. O errado não se torna certo por ser contra meu inimigo. Segue sendo errado.

Uma Democracia pode ter eleições a cada dois, quatro, seis, até oito anos. Com voto direto ou no colégio eleitoral. Pode ser parlamentarista ou presidencialista. Até pode ser uma monarquia constitucional, não uma República. Mas não há Democracia sem Estado de Direito.

Não há Democracia sem que a regra do jogo seja conhecida de antemão. Não deve haver surpresas na Democracia. E o Brasil, em especial pela ação do Judiciário, vem se tornando uma terra de surpresas que se sucedem. Vivemos uma quadra perigosa. Anos de construção democrática sendo queimados na fogueira dos novos Savonarolas. 

É aguardar quem serão os próximos. E seguir apontando os erros. Sempre.

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