"Se não for exclusiva, nem soberana, não é constituinte. É um golpe", por Gladstone Leonel Junior

Artigo originalmente publicado no Justificando.


Na semana passada o Congresso Nacional surpreendeu mais uma vez. Mais especificamente os deputados Rogério Rosso (PSD-DF) e Miro Teixeira (Rede-RJ) angariaram assinaturas suficientes propondo uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 298/16) para que uma Assembleia Constituinte decida, preferencialmente, sobre reformas política e eleitoral.

O leitor mais afobado poderia se questionar: “mas não era exatamente isso que a sociedade civil organizada e os movimentos sociais pediam desde o plebiscito popular ocorrido em 2014?”


A resposta é simples. Não!

Não é de hoje que setores retrógrados da política se valem de bandeiras com potencial transformador da sociedade. Essa apropriação se dá por meio de vários termos e conceitos, por vezes usado de maneira degenerada frente ao seu real significado. São diversas as guerras e os regimes de exceção já patrocinados com a larga utilização de uma retórica vazia, porém por vezes convincente, do termo democracia e liberdade na boca de grandes facínoras da humanidade ao longo da história.

Logo, não é de se espantar que a bandeira da constituinte também fosse mais uma vez usada na história, porém não para repactuar a sociedade na garantia de direitos individuais e coletivos fundamentais para um aprofundamento das práticas democráticas em um Estado de Direito. Trata-se de uma tentativa de aprofundar o golpe em andamento e legitimar a retirada de direitos que segue a todo vapor, sobretudo após a aprovação da PEC 55.

Quer dizer que a Constituinte deixou de ser uma bandeira do campo progressista?


De forma alguma. É o momento de propagandeá-la para que em um médio prazo, aliado a necessária resistência da sociedade civil frente um governo ilegítimo, ela seja uma pauta cada vez mais concreta para alavancar mudanças sociais. A crise e a retirada de direitos tende a colocar essa bandeira da constituinte como algo cada vez mais real e concreto no horizonte. Esse debate deverá ressurgir com maior responsabilidade, após a eleição de um novo/s presidente/a em eleições diretas. Mas, para que isso aconteça, dois elementos são fundamentais: Ela deve ser soberana e exclusiva. Algo que o atual bloco de poder jamais admitiria.

O texto da proposta da PEC 298/16 ainda ousa mencionar as palavras livre e soberana, porém estabelece inúmeras restrições relacionadas à matéria a ser apreciada, o modo de aprovação, dentre outros elementos que descaracterizam esses termos.

O seu caráter soberano deve se materializar na sua perspectiva originária, sem limites no ordenamento vigente, e plenamente legitimada pelo povo.

Ao tratar de uma constituinte exclusiva, os representantes teriam seus mandatos limitados pelo próprio ato convocatório devendo ser dissolvido o mandato após a realização dos trabalhos da Assembleia constituinte. Diferentemente do congressista eleito para um mandato mais amplo e regular, o qual possui todas as prerrogativas constitucionalmente devidas para o exercício desse mandato.

Quando a sociedade civil organizada demanda uma assembleia constituinte para mudar o sistema político ou realizar transformações estruturais fundamentais para o país, não está se referindo a uma proposta capenga como a apresentada, que tão só reafirmaria os pilares de um status quo golpista existente. Assim, qualquer debate sobre uma constituinte que não levar em consideração esses dois caracteres – exclusiva e soberana – não configurará uma verdadeira constituinte, mas mero arremedo golpista.  


Gladstone Leonel Júnior é Doutor em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília com estágio doutoral na Facultat de Dret da Universitat de València, Espanha. Advogado e pós doutorando em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB.

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