Quem tem medo de autocrítica? Por Breno Altman
Autocrítica não é ato de contrição, com fundamento religioso, como se a pedir perdão por alguma coisa.
Autocrítica é, acima de tudo, um método histórico de elaboração política no movimento operário e socialista.
Um engenheiro que vê sua ponte ruir, depois de um bom tempo convencido de que ela era segura contra qualquer intempérie, está obrigado a reavaliar todos os cálculos e variáveis antes de construir novas obras.
Ninguém o levaria a sério, afinal, se saísse afirmando que não cometeu erros e que a ponte foi derrubada por fatores externos, como uma onda do mar ou um raio, mesmo que isso fosse verdade: as obras de engenharia, afinal, tem que estar precavidas contra toda sorte de ocorrência, no limite do conhecimento humano.
Não é muito diferente na luta de classes, apenas bastante mais complexo, pois as variáveis do comportamento social são muitas vezes maiores que as do funcionamento de estruturas materiais.
Quando se sofre uma derrota estratégica, como é o caso agora e o foi em 1964, todas as hipóteses e cálculos da engenharia política adotada - em outras palavras, a estratégia que foi a pique - precisam ser reanalisadas com espírito crítico e aberto.
Autocrítica também é um instrumento para recuperar credibilidade.
Imagine se o engenheiro de nosso exemplo refizesse seus cálculos de forma reservada, mas de público continuasse a defender que não havia erro algum no planejamento de sua obra... quem voltaria a contrata-lo ou a confiar em seus serviços, quando a vida tinha tornado evidente que havia graves problemas?
Mesmo no microcosmo do relacionamento individual a autocrítica é decisiva para seguir adiante: que casal, por exemplo, consegue virar a página de uma crise sem que aquele ou aquela a eventualmente pisar na bola não reconheça seus erros e o faça de forma que o outro tenha plena convicção de sua sinceridade?
Não é muito diferente na política.
Quando a classe trabalhadora deixa de apoiar um determinado projeto, levando-o à derrota, mesmo que o legado seja impressionante, é preciso investigar as razões desse afastamento e restabelecer laços de confiança, de identidade.
Política não é futebol: as torcidas são incondicionais na vitória e na derrota, mas as classes alteram seus compromissos a partir de seus interesses e experiências concretas.
Autocrítica também é essencial para a tarefa de recuperar apoio militante e popular, portanto.
A direita e a burguesia prescindem da autocrítica: proprietárias dos meios de comunicação, hegemônicas no Estado, podem construir massivamente uma falsa narrativa que busque iludir parcelas do povo e atraí-las para sua influência.
A esquerda não tem esses meios. E, definitivamente, não pode ter esse método.
Como dizia Gramsci, apenas a verdade é revolucionária.
A autocrítica não é outra coisa que o reconhecimento da verdade, embora de forma relativamente tardio.
E somente reconhecendo a verdade se pode ter conhecimento e credibilidade para lutar com eficácia e sucesso.
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