"O Brasil precisa de um New Deal", afirma o senador Roberto Requião


Enquanto a Lava Jato avança em sua cruzada paladínica contra a corrupção, o Brasil é forçado a engolir um projeto de Estado mínimo, que reduz a nação ao papel de mero exportador de commodities.

Com o Banco Central controlado pela banca, o País ostenta uma das mais altas taxas de juro do planeta, a tornar mais atrativas as aplicações financeiras do que a produção. A indústria agoniza. O povo não tardará perder acesso a direitos básicos, como saúde e educação, com o congelamento dos investimentos públicos por duas décadas.

O aguçado diagnóstico é do senador Roberto Requião, ex-governador do Paraná e presidente da representação brasileira no Parlamento do Mercosul. Em entrevista ao programa Jogo de Carta, exibido na tarde da segunda-feira 31 pelo site de Carta Capital e pelo Facebook, o parlamentar defendeu a adoção de um programa de desenvolvimento nos moldes do New Deal de Roosevelt e Vargas.

De acordo com Requião, não é hora de economizar. “Durante a crise de 2008 e 2009, os Estados Unidos investiram pesadamente para reativar a economia.” 

Jogo de Carta: Como o senhor se sente na República de Curitiba?


Roberto Requião: Mal, sobretudo pela seletividade da ação de Sergio Moro. Quando fui governador, fizemos algumas operações com ele, um juiz célebre. Hoje, está equivocado. Foi influenciado por uma visão distorcida da Mani Pulite, de que ele não poderia enfrentar a corrupção de forma horizontal, pois seria bombardeado pelo sistema corrompido. E ele se deslumbra com os prêmios e os elogios que recebe dos EUA. Tornou-se instrumento de uma mudança de rumos da economia nacional.

JC: Que mudança é essa?


RR: Atrás desse trabalho de Moro e dos procuradores sediados no Paraná, vemos a construção do Estado mínimo, a redução do Brasil ao papel de mero produtor de commodities. Pretende-se firmar o País como celeiro do mundo, enquanto o povo passa fome.

É a destruição da nossa economia, com o fim da indústria. A política do ministro Henrique Meirelles é a do antecessor Joaquim Levy multiplicada por dez. Em 1980, o Brasil produzia industrialmente mais do que Tailândia, Malásia, Coreia do Sul e China. Hoje, produzimos 10% do que eles produzem. A financeirização da economia acabou com a indústria nacional.

JC: Não seria também fruto da incompetência dos industriais?


RR: É mais fruto da financeirização. No Brasil, é mais interessante aplicar dinheiro do que produzir. Parece que o Brasil esqueceu que o PT e Lula só cresceram pelo fracasso absoluto do PSDB no governo. Esse momento lembra o fim da era getulista. Em 1936, o presidente americano Franklin Delano Roosevelt visitou o Brasil.

Na ocasião, declarou que o New Deal, o pacto americano em reação ao liberalismo que corroía a economia dos Estados Unidos e do mundo, era uma criação dele e de Getúlio Vargas. O brasileiro com a Consolidação das Leis do Trabalho, com o salário mínimo, com Volta Redonda, e Roosevelt com o mesmo tipo de política por lá. Getúlio lançou as bases do Brasil industrializado.

E nos EUA Roosevelt fez algo semelhante com as ideias de Henry Ford, de Frederick Taylor e de Hjalmar Schacht, que recuperou a economia alemã ao acabar com a remuneração do capital vadio. Schacht baixou a taxa de referência de juros na rolagem da dívida e estabeleceu uma taxa interna de retorno para quem investisse em parcerias com as empresas alemãs, em projetos de infraestrutura. Hoje, o que se combate no Brasil é o New Deal.

JC: O economista John Maynard Keynes, grande referência do New Deal, deve se revirar no túmulo ao pensar no Brasil.


RR: Não mencionei Keynes porque acredito que ele foi o grande sistematizador disso tudo. Inovou em algumas ideias do Ford, do Taylor, mas o precursor é o Schacht. Fato é que o Brasil rema na direção contrária.

Essa PEC 241, que agora é 55 no Senado, é a paralisação do Brasil. Ford previu que a automação iria aumentar a produção americana, mas que não haveria consumo para absorvê-la. Propôs o aumento dos salários e a redução das horas de trabalho. Foi o que o Roosevelt fez. O que fazemos por aqui?

JC: Havia uma preocupação de formar um mercado interno.


RR: Sim, pois isso garante o crescimento de um país soberano.

JC: Lula parece ter percebido isso, não?


RR: Dilma mais do que Lula, ao menos num primeiro momento do seu governo, com o ministro Guido Mantega. Ele reduziu os juros, mas não resistiu à pressão da mídia.

JC: Voltemos por um instante à República de Curitiba. Por que o juiz Moro atua de forma seletiva, golpeia apenas o PT?


RR: Moro costuma dizer que não é da Polícia Federal nem do Ministério Público. O juiz julga e decide aquilo que lhe chega às mãos, não define os rumos da investigação, mas é evidente a seletividade. E essas viagens repetidas de Moro aos Estados Unidos são inexplicáveis. A vaidade é o pecado preferido do diabo.

JC: Moro julga o que lhe chega às mãos. No momento, ele recebe toda sorte de “convicções” dos procuradores.


RR: Sim, convicções de procuradores que manifestamente tinham ódio ao PT e, pelo que sabemos, portaram-se como militantes da campanha de Aécio Neves. Recentemente, emergiu a tese de que o problema da corrupção é excepcional e, portanto, exige medidas excepcionais.

É a posição do jurista Carl Smith na República de Weimar. Esses procuradores se consideram paladinos. Colocaram na cabeça que o combate deles à corrupção vai salvar o Brasil. Enquanto isso, nós estamos entregando o País, acabando com a indústria nacional.

JC: Os defensores da austeridade fiscal enfatizam o desequilíbrio das contas públicas. O que seria um remédio mais adequado?


RR: O New Deal de Roosevelt e Vargas.

JC: Então não é a hora de economizar, de cortar gastos públicos?


RR: Pelo contrário, é hora de investir. O economista Carlos Lessa usa um exemplo magnífico. Imagine uma família com um teto de gastos, que não pode ultrapassar. Então o filho quebra a perna, e decide-se manter a perna dele quebrada, porque a família precisa pagar os juros estabelecidos pela banca, e todas as outras despesas são proibidas. É uma loucura. Durante a crise de 2008 e 2009, os Estados Unidos investiram pesadamente para reativar a economia.

JC: Qual é o objetivo de Temer?


RR: Conheço Temer e ele nunca falou em Estado mínimo. Falava em redistribuir o Orçamento para reforçar estados e municípios. Tinha ojeriza de algumas distorções da aposentadoria, que realmente existem. O estabelecimento do Estado mínimo é coisa do Meirelles, daquele Denis Rosenfield, articulista do Estadão e integrante do Instituto Millenium, do Marcos Lisboa. Temer não propôs nada, e agora está acreditando nisso. É um erro brutal, porque parte de uma análise equivocada da origem da crise.

JC: E qual seria a origem da crise?


RR: Ela emerge da carga brutal de juros de dívida pública não auditada. Se a dívida fosse em dólar, estava resolvida, porque o dólar andou com juros negativos nos EUA. Atualmente, os americanos pagam taxas anuais de 0,50%. No Brasil, é de 14%.

JC: Haverá algum tipo de reação popular?


RR: Depois de sentir o sabor do acesso ao consumo, da ampliação de possibilidades de trabalho, o povo não vai tolerar ser jogado para baixo de novo. Estamos assistindo a uma blitzkrieg da imprensa. A mídia vem, demoniza tudo e daí a maldade está colocada. A classe média idiotizada concorda com tudo. A PEC do congelamento é uma tolice total. Tolice maior ainda é o projeto do Serra da securitização da dívida. Foi o que quebrou a Grécia.

JC: Há chance de barrar a PEC dos gastos públicos no Senado?


RR: Temos uma anestesia na opinião pública, patrocinada pela mídia. Soma-se a isso a fisiologia do Congresso. Poucos estão preocupados com o Brasil. A maioria pensa em como manter os mandatos e buscar reeleição. Vejo, porém, setores do País se levantarem contra a PEC 241.

A CNBB deixou clara sua posição. Essa proposta corta os investimentos no Brasil, principalmente os sociais, mas abre uma porta sem limites para o pagamento dos juros da dívida. Juros administrados pela própria banca, porque o Banco Central é ocupado por indicações do Bradesco, do Itaú, dos rentistas. Se houver uma pressão forte, o Senado pode acordar.

JC: Faz sentido estabelecer um prazo de 20 anos para a vigência dessa proposta? E se a economia voltar a crescer em breve?


RR: Só faz sentido para o projeto de Estado mínimo. O objetivo é estabelecer um liberalismo econômico absoluto. Outro dia, vi Temer e Serra defender a entrada do Brasil na área de livre-comércio do Transpacífico. Repare: os presidenciáveis Donald Trump e Hillary Clinton já disseram que aquilo não serve aos EUA, pois ameaça os empregos dos americanos.

Mas Temer e Serra, nessa vassalagem absoluta, apoiam. Não devem se considerar mais brasileiros. Conheci o Serra da UNE. Era militante, hoje é de uma submissão total. O WikiLeaks denunciou o compromisso assumido por ele com petrolíferas estrangeiras de acabar com a partilha do pré-sal. Agora privatizam a BR Distribuidora, o segredo do sucesso da Petrobras.

JC: Quanto tempo dura essa tormenta?


RR: Acredito que terá vida curta. Não dou seis meses para essa proposta explodir, até porque a campanha paladínica de combate à corrupção será ampliada. Aqueles procuradores da “espada de fogo do Senhor” vão prosseguir. E a cúpula política do Brasil inteira está envolvida nessa corrupção sistêmica.

JC: Enquanto não chega essa hora, o que acontece com Lula?


RR: Nada. Eles queriam liquidar com a imagem dele.

JC: Não vão condená-lo?


RR: Não acredito. Dilma saiu do governo, diminuiu a carga de responsabilidade dela. Essa crise é resultante do encolhimento da China e potencializada pela corrupção do sistema político brasileiro. O povo ainda guarda a imagem do sucesso do governo Lula. A gestão ficou marcada pela inclusão de milhões de brasileiros no mercado de trabalho e de consumo.

JC: Como o senhor avalia o resultado das eleições municipais?


RR: É a desmoralização da política. Os que diziam não serem políticos tinham espaço enorme, mas foi a vitória do financiamento dos candidatos. Os vitoriosos não ganharam por ser ou não políticos, e sim por ter dinheiro para a campanha.

JC: Onde estavam os eleitores de Lula e de Dilma?


RR: Decepcionados.

JC: Mas Lula segue na liderança das pesquisas para 2018.


RR: Ele é majoritário no primeiro turno, no segundo aperta. Mas, na medida em que essa política de Estado mínimo entrar pela porta dos brasileiros, volta a memória do bom governo de Lula. Ele era o líder político mais popular do planeta. Era “o cara” para Barack Obama. Esse sujeito existe na memória. A ascensão de Lula é diretamente proporcional ao insucesso de Temer.

JC: Diante dessa louvação ao Estado mínimo, da submissão aos interesses estrangeiros, onde estão os militares nacionalistas?


RR: Castelo Branco instituiu a aposentadoria compulsória de generais. Essa rotatividade acabou com as grandes lideranças. De certa forma, o Exército tornou-se uma corporação que pensa mais no quanto a União destina aos seus profissionais.

JC: O senhor arrisca algum palpite sobre o cenário em 2018?


RR: Acredito que esse projeto amalucado de Estado mínimo fracassará antes. Aí teremos uma grande discussão. Agora, a imprensa está dominada. Estou conversando na CartaCapital, mas não tenho nenhum acesso à chamada grande mídia. Fui governador do Paraná três vezes, prefeito da capital, estou em meu segundo mandato de senador. E eu posso andar no arame do Senado Federal pelado que não vou ser notícia.

JC: Seria um espetáculo.


RR: Não seria porque eu iria cair (risos). Neste caso, talvez virasse notícia: “O porra-louca do senador morreu”.

JC: O senhor acha que Lula e Dilma erraram no trato com a mídia? O que poderia ser feito para assegurar maior pluralidade?


RR: Poderiam ter feito o que Cristina Kirchner fez na Argentina. A concentração da mídia potencializa a crise. É um monopólio, o capital segura verticalmente a comunicação no País.

JC: O PT errou ao acreditar na conciliação com as elites?


RR: Sim. Tem aquela velha história que repeti mil vezes, mas vale a pena recordar. Como governador do Paraná, dei uma força enorme para a televisão pública do estado. Um dia eu fui conversar com Lula e propus a ele: “Por que você não cria uma televisão pública forte no País?” Ele pediu para eu conversar com José Dirceu. Fui até ele e me surpreendi com a resposta: “Ah, nós já temos uma televisão”. Perguntei qual seria, e ele respondeu: “Temos a Globo”. Estavam completamente equivocados.

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