Sobre a questão turca...


A tentativa de golpe na Turquia coloca o país em uma das situações mais delicadas de sua história recente. Comecei a escrever este texto na madrugada de ontem (15) pra hoje (16), onde o desfecho estava indefinido, mas muitos elementos indicavam que a quartelada falharia.

Poderíamos pensar assim: Por um lado, o povo turco se livraria de uma ditadura militar, mas por outro Erdogan sairá fortalecido e com capital político para avançar na sua tentativa de criar um governo totalitário.

Após essa tentativa de insurreição, o momento-chave desta empreitada deverá vir em breve. Erdogan opera politicamente para obter, seja pelo Legislativo, seja por meio de um referendo, a troca do regime parlamentarista pelo presidencialista.

Se conseguir esse feito, Erdogan assumirá ainda mais o controle do país, inclusive sobre as Forças Armadas. Sem a sombra militar, que sempre pairou sobre suas ações, Erdogan não terá mais contrapesos a seu poder e estará livre para moldar a Turquia a seu bel-prazer.

Por si só, este processo já ameaçava o futuro democrático turco. Com a tentativa de golpe, a situação só tende a se agravar.

Presidente da Turquia desde agosto de 2014, Erdogan foi primeiro-ministro por 11 anos antes disso. Desde a primeira vitória eleitoral, em 2002, o Partido Justiça e Desenvolvimento, conhecido como AKP, é a força dominante na política turca. Em todos os pleitos realizados na última década, a sigla oscilou entre 40% e 50% das intenções de voto.

O grosso desse eleitorado é a massa conservadora turca (pobres e religiosos) que por décadas foi subjugada por uma elite secular ligada aos militares. Sob Erdogan, esses religiosos praticantes puderam pela primeira vez na história do país prosperar e almejar poder político para ditar os rumos do país.

Originalmente ligado ao islã político, ideologia segundo a qual a religião pode resolver todo e qualquer problema criado pela modernidade, Erdogan moderou suas posições e fez do AKP exemplo do que poderia ser a conciliação entre a democracia e o mundo muçulmano.

As coisas começaram a mudar em 2013. Entre maio e agosto daquele ano, Erdogan mostrou sua face autoritária ao comandar a repressão contra os manifestantes contrários a um polêmico projeto de desenvolvimento urbano centrado no Gezi Park, em Istambul.

A oposição laica ao AKP acredita que a quartelada de ontem pode ter servido para justificar a concentração de autoridade em Erdogan. Mas Erdogan, com o apoio dos mais pobres e religiosos, a grande massa turca, tem tudo para endurecer ainda mais o regime.

Agora, sem dúvidas que o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), os curdos em geral, e os militares insurgentes que vão acabar sendo os bodes expiatórios e sofrerão nas mãos de Erdogan.

Abraços,
Daniel Samam

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