"Voltar ao governo, mas para mudar de fato o país", por Darlan Montenegro

Publicado originalmente no Outras Palavras.

É um equívoco contrapor as lutas sociais à disputa eleitoral de 2018. As eleições são a expressão da capacidade que os segmentos populares dispõem, nesse momento, de fazer a luta política. E a luta política é sempre o elemento decisivo das grandes disputas sociais. A questão do poder político tem que estar posta, todo o tempo, para as forças sociais populares, sob pena de essas forças permanecerem prisioneiras da lógica social em que se constitui a sua dominação. Sabemos disso desde que Lênin publicou o "Que Fazer?", em 1902.

Evidentemente, nem as eleições de 2018 configuram a possibilidade de tomada do poder pelas forças populares, nem um eventual novo governo Lula significará a chegada ao socialismo. Muito longe disso. Mesmo assim, o raciocínio exposto acima se aplica. As disputas em torno do poder político estão sempre articuladas às lutas sociais. O golpe não foi apenas um golpe contra o mandato de Dilma Rousseff. Ele desencadeou uma ofensiva contra conquistas e direitos estabelecidos ao longo de muitas décadas, ofensiva essa que só pode estar acontecendo porque as condições políticas assim o permitem. E essas condições, nesse momento, são caracterizadas pelo rompimento quase completo entre a vontade popular e os espaços de tomada de decisão política. A realização de eleições não significará, é claro, o estabelecimento do controle popular sobre o governo. Não é esse o objetivo dos regimes liberais-representativos. Mas significará (ou poderá significar) uma maior aproximação entre a vontade popular e a tomada de decisões.

À esquerda cabe, nesse momento, a busca de uma articulação entre os movimentos de resistência à ofensiva reacionária (caracterizada, antes de mais nada, pelas “reformas” trabalhista e da previdência) e de oposição ao golpe, compreendendo que a continuidade do golpe se expressa na tentativa de impedir Lula de concorrer, no ano que vem. Interessa a toda a esquerda (inclusive aquela que não se localizou nem se localizaria no campo de sustentação aos governos petistas) derrotar o golpe e garantir que Lula possa concorrer. A possibilidade de que candidatos ligados ao campo popular tenham condições de ganhar e de governar, no futuro, depende dessa disputa.

Por outro lado, a combinação da luta social de resistência com a luta política democrática de oposição ao golpe interessa especialmente aos setores da esquerda que, na situação ou na oposição, condenaram as gigantescas concessões feitas por Lula e Dilma às elites sociais brasileiras e estrangeiras. Lula optou, desde bem antes de sua vitória eleitoral, em 2002, por governar “a frio”, sem recorrer à pressão dos movimentos sociais para implementar um programa de reformas sociais efetivo. Sem essa pressão, e lançando mão apenas da sustentação congressual tradicional, os governos petistas se limitaram a mudar “pelas beiradas”, agindo dentro de uma margem de possibilidades que evitava o confronto a todo custo. Essa margem se revelou limitada, quando o crescimento econômico cessou, permitindo que a direita tomasse as ruas, sem que as grandes massas populares se mostrassem dispostas a reagir.

O que estamos verificando, à medida em que o programa social e econômico do golpismo se revela, é uma crescente disposição dos segmentos populares atingidos pelas “reformas” de enfrentar a tomada dos seus direitos. É necessário politizar essa luta, mostrando a articulação entre o golpe e a ofensiva contra os direitos, aproximando as duas esferas da luta, e preparando o terreno para que, em um eventual novo governo do campo progressista (com Lula ou alguém apoiado por ele), as condições de enfrentamento estejam estabelecidas num patamar superior, permitindo a implementação de um programa de reformas de iniciativa do governo ou tensionando-o, de fora, em defesa de um programa desse tipo. Nada disso será possível, evidentemente, se não houver eleições no ano que vem, ou se o campo popular estiver alijado de disputá-las pra valer. O elemento determinante, seja para garantir a realização de eleições em 2018, seja para garantir que um candidato popular possa disputá-las com chances reais, seja para derrotar as “reformas” de Temer, seja para sustentar um programa de mudanças sociais progressivas, a partir da derrota social e política da direita, é a mobilização popular. E é necessário que os segmentos organizados da esquerda busquem unitariamente combinar esse conjunto de elementos. Isso interessa a toda a esquerda e a todos os movimentos sociais do campo progressista.


Darlan Montenegro é cientista político e professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

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