Sobre a polêmica envolvendo a convocação do VI Congresso do PT, por Bernardo Cotrim


Existe um amplo debate em curso sobre o encerramento de um ciclo histórico a partir do golpe de Estado que apeou do governo a presidenta eleita Dilma; sobre a derrota política e ideológica sofrida pelas esquerdas, culminando com o revés eleitoral de grandes proporções em outubro passado. O processo de restauração neoliberal, em franca ofensiva (apesar da baixa legitimidade do governo central), segue atacando direitos e colocando em risco a democracia, criminalizando os movimentos sociais e ensaiando reformas que colocam a Constituição de 1988 na guilhotina.

Em paralelo, a urgência de recompor uma esquerda socialista e democrática capaz de resistir à blitzkrieg do capital e dar sentido estratégico ao intenso fluxo de lutas de resistência (onde o movimento #Ocupa tem destaque óbvio), vislumbrando a abertura de um novo ciclo político - uma esquerda reoxigenada, fortalecida na sua pluralidade democrática e com possibilidade real de, novamente, construir maiorias na sociedade e disputar o poder - tem comportado debates apaixonados e a construção de várias iniciativas, como as Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular e o recente movimento #QueroPrévias, além do debate dos partidos de esquerda.

Existe um diagnóstico comum nestes processos: a combinação de escândalos de corrupção, burocratização e erros no exercício do governo central ampliou a rejeição ao PT na sociedade, ao mesmo tempo em que desarmou completamente o partido para dar respostas e desarticulou o campo democrático e popular. Os mais afoitos insistem em vaticinar a morte do PT e a necessidade de construção de um "pós-PT" que não só prescinde do partido como rejeita a sua experiência. Esta hipótese me parece um profundo equívoco: governar o país por 13 anos é, sem dúvida, o feito mais extraordinário consumado pela esquerda brasileira. Negar esta experiência na sua totalidade, sem absorver o seu legado, restringindo o debate aos seus erros é um passaporte carimbado para a derrota. 

Não existe virtude em virar as costas para a História.

É urgente, no entanto, enfrentar a encruzilhada em que o principal partido de esquerda do Brasil se meteu. O PT saiu derrotado do golpe e das eleições 2016; insistir nos erros pode levá-lo à falência, contribuir para uma diáspora dos socialistas, diminuindo drasticamente as chances de enfrentamento e superação do neoliberalismo. A pulverização da esquerda só interessa aos donos do poder.

É nesta quadra que se insere o debate sobre o VI Congresso do PT: construir um amplo e profundo processo de debate político, de participação direta da militância, de resgate da identidade socialista, produção de novas sínteses e atualização programática para que o PT possa se reconstruir e ter condições de ser parte ativa da reorganização da esquerda.

Este processo, por óbvio, não se dará de forma natural, mas como resultado de uma intensa luta política. As críticas que fazemos ao PT não são novas, e a leitura de teses dos últimos 15 anos confirma não só o diagnóstico dos problemas, como o buraco em que estamos. Uma burocracia se fortaleceu no aparelho partidário, setores fisiológicos (inclusive no governo e no parlamento) aumentaram sua força, e farão esforço intenso para impedir uma dinâmica de mudanças. Jogam, neste congresso, a própria sobrevivência. E sim, podem sair vitoriosos.

Neste sentido, é importante afirmar que estamos hoje em uma situação melhor para a disputa de rumos. As chances do PT não realizar o VI Congresso, ou fazê-lo após um PED nacional sem debate e com eleição de uma nova direção em todos os níveis na mesma lógica que criou profundas distorções eram imensas; o que se verificou foi um enorme recuo da maioria, principalmente a partir da atuação de Lula para desbloquear o debate e construir uma opinião pública a favor de mudanças.

A manutenção do PED municipal, já que os congressos municipais ocorrerão com urna aberta, possibilitando que os filiados e filiadas votem sem sequer participar da discussão, é uma derrota importante, e devemos localizar o problema e criticá-lo sem tergiversar; mas não pode ser transformado no problema central, bloqueando a parcial vitória que tivemos, antecipando conclusões apocalípticas e impedindo a mobilização para o congresso partidário. É preciso aproveitar a brecha, canalizar as energias para o debate, a troca de impressões com outros movimentos e organizações, convidando-as para a participação; construir o maior número possível de etapas livres, procurando os filiados e filiadas que estão afastados, convidando novas pessoas para integrar este esforço de reconstrução e dar um sentido de movimento amplo e unitário de reconstrução socialista do PT.

É preciso reforçar, para dialogar com os mais pessimistas, que assim como na crise de 2005, o momento atual é favorável ao sentimento de mudanças. Se em 2005, num PED nacional, a mudança só não foi consumada porque parte importante do partido optou por deixá-lo após o primeiro turno; e em 2010, no IV Congresso do PT, vitórias importantes ocorreram (e depois foram bloqueadas por um movimento de restauração burocrática), agora o momento é mais favorável, por ter ampliado a percepção de que a transformação é o único caminho possível.

Nos cabe, agora, acelerar o tempo da política e impulsionar uma grande onda capaz de produzir um programa que recupere a dimensão republicana da luta pelo socialismo, arrancando das mãos da direita a pauta da luta contra a corrupção e retomando o seu sentido transformador; que articule a dimensão universalista da luta por direitos sociais, radicalmente democrático, feminista, anti-racista e libertário; que seja um vetor de mobilização de amplas parcelas do petismo, identificados pela ideia de um novo PT para um novo tempo. A urgência histórica deste movimento é latente.

Por último: em qualquer disputa aberta, a chance de derrota do movimento que propomos existe, e neste caso, é dramática. Mas é exatamente a unidade construída na disputa dos rumos do PT e na mobilização que precisamos impulsionar que reside a esperança de impedirmos a pulverização e saídas marcadas pela salvação eleitoral e pragmática, e é com este imenso campo político e social que deveremos discutir alternativas. Para o momento, no entanto, convém não antecipar a derrota, nem abraçar o catastrofismo. Façamos dos nossos espaços o laboratório de experiências do partido que queremos: Muda PT!

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