Witzel: O Collor versão 2020, por Sergio Batalha
O hoje senador Fernando Collor foi eleito na primeira eleição presidencial após a ditadura militar com uma bandeira anticorrupção. Obteve a maioria absoluta no segundo turno e se julgou intocável em função das dezenas de milhões de votos recebidos.
Desprezou o Congresso e os tradicionais arranjos fisiológicos com os partidos, colocando seu tesoureiro de confiança, o notório PC Farias, para centralizar a corrupção em seu governo. Terminou renunciando ao mandato para evitar o impeachment, após a aprovação na Câmara da abertura do processo.
Quase trinta anos depois, temos uma surpreendente eleição de um ex-juiz para o governo do Estado do Rio, também com um discurso de combate à corrupção. Ele igualmente se julga um fenômeno político irrefreável, a ponto de afirmar que seria eleito presidente na próxima eleição. Ignora os deputados da ALERJ e nomeia seu obscuro sócio de escritório, ligado à máfia dos fornecedores do Estado, para controlar as aquisições de bens e serviços durante a pandemia.
O resultado foi a aprovação quase por unanimidade da abertura do processo de impeachment na Assembleia Legislativa. A situação se afigura desesperadora para Witzel, que rompeu com Bolsonaro e agora não tem a sustentação de qualquer grupo político.
Já Bolsonaro, apesar do discurso agressivo, não é tão arrogante e conhece o Congresso. Ignorou sua badalada bandeira anticorrupção e distribuiu fartamente cargos e verbas ao Centrão, em um esforço desesperado para evitar o impeachment.
Independentemente do resultado, duas lições podem ser colhidas. A primeira é que não existe governo sem base parlamentar. A segunda é que o discurso anticorrupção normalmente serve apenas como trampolim para políticos corruptos e cínicos.
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Sérgio Batalha é advogado, professor universitário, especialista em relações de trabalho, além de conselheiro e presidente da Comissão da Justiça do Trabalho da OAB-RJ.
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