A volta à “normalidade” e o imprevisível, por Adair Rocha
As relações de poder e de saberes que estabelecem a dita “normalidade” da sociedade em seu tempo, têm como pressuposto a luta política hegemônica em torno da construção do imaginário dos modos de produção: econômico, político, cultural, religioso, educacional e afetivo, enfim.
Aí estão assentadas as definições do significado e das práticas institucionais, sobressaindo, claro, o papel do Estado contemporâneo, que regula dos grandes conglomerados bancários e empresariais, em torno da circulação da moeda e do "gosto" do consumo, sujeitos às lógicas globalizantes, à escassez geradora das favelas e na moradia da rua, cada vez mais habitada.
Chega o Coronavírus e provoca a 3ª Guerra Mundial sem armas, porém, desafiando os modelos de Estado em sua capacidade e efetividade de defesa da vida, cujo ÚNICO remédio preventivo é o ISOLAMENTO doméstico como forma de proteção individual e coletiva, a que estou chamando de societário.
As grandes mídias e as pequenas potências de comunicação local estão com o mesmo desafio: desenhar, ainda um longo trajeto, a chamada “volta à normalidade”.
No palco global, destaca-se (infelizmente) o Brasil, pelo motivo mais bisonho: sua liderança de gestão política é a mais singular que já se viu. Não se conduz pela lógica do pensamento, do diálogo e da busca de consenso na gestão pública, o que caracteriza o exercício político, qualquer que seja a sua matriz ideológica.
Sem nau, sem rumo, mas com objetivo autoritário e centralista, a geração do ódio se move sem desfaçatez, desafiando, inclusive, o Covid19.
Só um passeio pela diversidade e pluralidade de nosso cotidiano em quarentena e suas desigualdades pode ajudar a buscar entender o momento seguinte, feito de perdas inimagináveis quando Aldir, Tantinho, Tia Neném, Chediak, Palatnik, Sant’anna e tantos/as outros/as mais partem de nosso convívio e eternizam suas ideias, e desejos, utopias e topias.
O "#Nós por nós", como bem descreve e analisa a colunista Flávia Oliveira (Globo, 08.05.2020), tende a ocupar lugar de destaque na nova normalidade, vez que assume a liderança no combate mais eficaz do Coronavírus, no cuidado de higienização, de alimentação e informação adequada na busca de ISOLAMENTO, malgrado as condições ausentes em territórios vivos da cidade, sem o mesmo acesso a que todos têm direito.
Destaque-se ainda o papel solidário de atendimento emergencial contra a fome, que o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) vem desenvolvendo na distribuição de seus produtos alimentares orgânicos. Nesse rastro, as ONGs vêm se destacando também.
A agilidade da sociedade, com a mobilização de suas representações institucionais tem sido oportuna, como o fizeram, no Rio de Janeiro, grupos de pesquisa e gestores da PUC/ UERJ/ UFRJ e instituições científicas como a Fiocruz e lideranças de favelas que criaram um Plano de Ação entregue às lideranças da gestão pública de saúde para atuação nas favelas e periferias. É o momento em que o design, a arquitetura, a engenharia, o direto, a comunicação etc podem contribuir com suas expertises para a área da saúde pública, que é o foco central.
O legado, no entanto, é de esperança, apesar de costurado com tantas dores...
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Adair Rocha é professor de Comunicação Social da UERJ e da PUC-Rio.
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