Artigo de urgência, por Maria Luiza Franco Busse



Dentre os muitos tipos de artigos, tem-se o de luxo, o supérfluo, o de primeira necessidade, e o de urgência. É sobre esse último que trata este texto. Urgência de organização pragmática, objetiva e desde já do campo progressista e de esquerda para impedir que o fascismo personificado que ocupa a presidência cumpra em definitivo seu ideal de implantação de um governo fascista.

Para que isso se efetive, o nazista na presidência vem tomando todas as providências. Por exemplo, vem comendo por dentro das instituições com nomeações de militantes partidários e apoiadores, tática reconhecida como fundamental para a garantia mínima da sempre instável conquista e manutenção do poder. Ao mesmo tempo em que consolida o aparelhamento da máquina do Estado, segue fornecendo suporte material e moral aos seus esquadrões milicianos que formam o cinturão extra palaciano de extermínio, repressão violenta e implacável ataque aos inimigos.

Por inimigo entenda-se os 47 milhões de votos que disseram não ao projeto de uma sociedade orgânica fundada no credo do mito e que, ao menos, em algum momento, sentiram o hálito malcheiroso do eco trazido pelos ventos do Atlântico, de um Portugal anterior aos cravos que deram fim à tirania de Salazar: “Não discutimos Deus e a virtude. Não discutimos a pátria e a sua história. Não discutimos a autoridade e o seu prestígio. Não discutimos a família e a sua moral. Não discutimos a glória do trabalho e o seu dever".

Enquanto o interdito se afirma por aqui, o campo progressista e de esquerda se engalfinha, discute, conversa, considera, analisa, calcula, e acha muito natural que assim seja. Afinal, argumenta-se, ainda faltam dois anos para a eleição presidencial. Sobre as eleições de agora, logo ali na esquina deste 2020, um viajante acharia que o país vive a normalidade democrática, com ambiente de estabilidade e consequente racionalidade política em que cada partido apresenta seu programa, as brigas internas são publicizadas no melhor espírito da transparência, e expressa-se a convicção de que a unidade se dará no segundo turno. Tudo porque, ao que parece, as eleições para prefeito e vereadores estão sendo tratadas do mesmo modo que as eleições eram tratadas antes do golpe de 2016, do assassinato de Marielle Franco, e desse ano e meio da posse da versão brasileira do triunfo da vontade de destruir a democracia liberal burguesa e substitui-la pelo regime reacionário, regressivo e atrasado da democracia soberana do tirano.

As TVs francesas tinham o costume de entrevistar Simone Veil quando das comemorações do 14 de julho, dia da Queda da Bastilha, símbolo do fim do Antigo Regime e início das Repúblicas da nossa era contemporânea. Em 1943, aos 16 anos, Simone foi deportada para Auschwitz. Sobreviveu junto com as irmãs. Os pais e os irmãos foram mortos. Simone sempre iniciava sua resposta à imprensa com uma advertência: “Vichy não foi à toa”. Em outra situação e momento, alguém deixou registrado que os assassinatos em massa de judeus, comunistas, ciganos, deficientes, velhos doentes e crianças improdutivas,  não começaram nas câmaras de gás de Auschwitz.

As advertências de Simone e do desconhecido não tinham a intenção de baixar a resistência e minar o ânimo dos combatentes, ao contrário. Eram, e são, um alerta para que a trágica e miserável experiência não se repita. Sobre as eleições em 2022, também vale lembrar o que disse o poeta francês: “Recorda:o Tempo é sempre um jogador atento que ganha, sem furtar, cada jogada! É a lei. O dia vai, a noite vem; recordar-te-ei! Esgota-se o relógio de água; o abismo está sedento”.

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Maria Luiza Franco Busse é Jornalista há 47 anos e Semióloga. Professora Universitária aposentada. Graduada em História, Mestre e Doutora em Semiologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com dissertação sobre texto jornalístico e tese sobre a China. Pós-doutora em Comunicação e Cultura, também pela UFRJ,com trabalho sobre comunicação e política na China.

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