República dos coturnos: militares e democracia, por Yagoo Moura
Desde a eleição de Bolsonaro, os militares voltaram a ser fator de peso na política nacional.
Desde a eleição do ex-capitão, muitos têm visto o papel dos militares como o de moderar as tendências autocráticas próprias de Bolsonaro, apimentadas pelo olavismo, outro grupo com relevância, representado, principalmente, por Ernesto Araújo, Abraham Weintraub e os filhos do presidente. Trata-se da ala deliberadamente lunática do governo, alimentada de teorias da conspiração como o "marxismo cultural", "ideologia de gênero" e etc.
Considerando o fato de que é um governo heterogêneo, em alguns momentos houve conflitos entre as diferentes facções. Lembremos da demissão de Santos Cruz, obra de uma campanha promovida por Carlos Bolsonaro, o filho mais sequelado da família.
O fato é que, de uns tempos para cá, o governo tem apostado ainda mais em sua militarização, tornando o Estado uma extensão dos quartéis, em aparelhamento ainda mais agressivo do que nos anos da ditadura militar. O Brasil de Bolsonaro tem no ministério da Casa Civil um general. O que é bastante emblemático.
Nas manifestações do dia 3, em mais uma afronta à Constituição e aos demais poderes, Bolsonaro lançou mão de uma carta decisiva ao falar que as Forças Armadas estão com ele contra um suposto golpe articulado por Maia, Alcolumbre, STF, imprensa e todos que não são bolsonaristas. Ameaçou e tripudiou sobre as instituições e seu sistema de freios e contrapesos, em um ímpeto de anular Montesquieu.
O portal UOL trouxe uma matéria em que militares de destaque afirmam que as FFAA não embarcarão no golpe gestado no Palácio do Planalto. As palavras, obviamente, não foram estas. Eu pergunto: quem garante isso?
A transição, na forma como foi conduzida, não foi capaz de colocar os militares na caserna, o único local que lhes cabe em um regime democrático. Dispositivos como a GLO (Garantia da Lei e da Ordem) permitem que aqueles que possuem o monopólio legítimo da força ajam de modo a pôr em xeque o próprio Estado de Direito, sob o pretexto de preservá-lo. Sem entrar em outras questões problemáticas, como a impunidade daqueles que tornaram a tortura uma política de Estado durante a ditadura.
Acreditar que as FFAA têm compromisso com a democracia é inocência. Não é de sua natureza o zelo pelas regras do jogo. Os militares estão satisfeitos com seu prestígio no governo e com a manutenção de privilégios, tais como sua absurda aposentadoria especial. São movidos por corporativismo e sanha de poder político.
É verdade que não há opção deliberada por uma ruptura, mas porque as condições ainda não estão dadas, o processo está em disputa e as instituições ainda estão reagindo. É pragmatismo puro. Não irão embarcar em um golpe caso não tenham certeza de que a conjuntura seja favorável. Seria um risco para sua própria imagem.
Por fim, recorramos à História: o golpe de 1964 teve seu estopim com a adesão do general Olympio Mourão Filho (MG) e foi praticamente consumado com a entrada em cena do também general Amaury Kruel (SP). Ambos não eram golpistas de primeira hora. Kruel, inclusive, era tido como aliado de Jango (foi ministro dele) até o momento em que lhe traiu, subornado que foi, segundo depoimentos à Comissão da Verdade.
No Chile, Pinochet também era tido como aliado de Allende às vésperas do golpe em setembro de 1973 e nós sabemos como isso terminou.
Portanto, olhos abertos e vamos devagar com o andor. Se há alguém que não irá mover uma arma de chumbinho para defender a Constituição de 1988, esse alguém é o conjunto dos militares brasileiros. Confundir realidade com idealização é um erro estratégico crasso e que pode ter consequências graves.
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Yagoo Moura é graduando em ciências sociais.
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