Quando Maquiavel dá as cartas, qual o jogo na nossa mão? Por Bruno Sobral


A reunião ministerial divulgada é um documento histórico, li e reli cada trecho. Não foi intenção ao divulgar nos dar esse material e sim discutir indícios de ação criminosa, mas para um economista que busca estar atento a relação entre minha ciência e o poder, foi uma aula de economia política. Desejo muito que líderes de movimentos sociais e lideranças partidárias atentem a isso para além da narrativa se há ou não indícios de ação criminosa que escandalizou o líder máximo do lavajatismo.

Primeira coisa a observar: Presidente da República apenas e exclusivamente se preocupa com garantir seu poder. Políticas públicas ele delega, não demonstra menor atenção ao debate. Só respalda aquilo que mostra mais crível a lhe dar estabilidade política. Seu foco é como não ser derrubado e para isso, não medirá esforços. E a saúde, economia, questão ambiental? Toca isso aí desde que não crie crise de governabilidade.

Aqueles ministros que comumente se chamam nos noticiários de "mais ideólogos", na verdade são aqueles mais preocupados com o que o Presidente sinaliza. E por isso, são aqueles que o Presidente mais escuta na reunião e dialoga. Ele não quer saber de plano para economia e saúde, ele quer ouvir quem sugira como garantir o poder. Que compartilhe com ele adversários e faça "guerras de posição" cavando trincheiras pela defesa de seu nome. Coisa que os Ministros da Saúde e da Justiça e Segurança Pública nem tocam nessa questão, não á toa caíram depois do evento.

O assunto principal da reunião foi como essa preocupação de preservar o poder se confronta com uma agenda econômica estratégica. De um lado, militares com respaldo dos Ministérios da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional, de outro lado Ministério da Economia (atuando como um bloco também os presidentes do Banco Central e dos Bancos Públicos) e da Casa Civil. Em uma reunião que Maquiavel deu as cartas, qualquer liderança indutora do Estado na economia foi rechaçada em prol da visão que o que importa é criar ambiente favorável aos negócios e "vender" o Brasil no exterior.  

E exatamente esse ponto que mais chamou atenção. Guedes, Ministro da Economia, junto com seus aliados não vencem o debate ali e enquadram o outro lado porque sua proposta faz mais sentido para atender os anseios da população. Ele vence porque passa confiança ao Presidente que: 

1) Mantém o sistema financeiro (Presidente se refere como "os bancos") sem lhe dar problema político, ou seja, como a principal base que lhe garante poder na dimensão econômica. Reparem que em nenhum momento o setor produtivo nacional foi mencionado como fiador central de poder, o que demonstra a avaliação do grau de subordinação desde a própria agenda do sistema financeiro. No máximo ao setor produtivo vem numa rápida menção que está alinhado ao desejo de abrir a economia e que querem maior desregulamentação, o que reforça essa avaliação de subordinação política.  

2) A base de garantir seu poder depende de um pacto de dominação pautado em ajuste fiscal e reformas liberalizantes acima de qualquer agenda setorial (saúde, infraestrutura, desenvolvimento regional, educação etc.). Indica que tudo isso só pode ser tocado se esse pressuposto for compatível. 

Diante disso, Presidente nem dá ouvidos a detalhes da agenda setorial expostos, Guedes lhe passa confiança que dá estabilidade política e quiçá uma reeleição. Numa reunião que Maquiavel deu as cartas, a questão que fica é exatamente essa: por que está ainda sendo eficaz a garantia do poder nesse país ser por uma agenda econômica que reflete um pacto de dominação de poderosos? A maior parte da população, mesmo com essa divulgação da reunião, não vai espontaneamente se ater a isso. Até porque vai ser guiada novamente a debater nas bases do lavajatismo enquanto Maquiavel continuará a dar as cartas.

A principal contribuição dessa reunião foi chamar atenção que não há agenda progressista que se sustente sem uma leitura atenta de Maquiavel. Guedes cita desenvolvimentismo, cita Keynes etc. como coisas superadas na reunião porque exatamente, na sua avaliação, não garantiram poder a quem defende essas ideias. E isso que convenceu. Cabe as forças progressistas mostrarem o contrário sempre se guiando não por idealismos, mas por uma leitura atenta de Maquiavel para ser ela a dar as cartas. 

Como as ideias progressistas garantem poder no Brasil atual? Fica essa a questão para o debate.
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Bruno Sobral é Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UERJ.

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