Reflexões sobre o ataque à produtora do Porta dos Fundos, por Daniel Samam


O ataque à sede da produtora do Porta dos Fundos foi um grave atentado à democracia e à liberdade de expressão. É obrigação dos órgãos e autoridades competentes investigar e punir os criminosos na forma da lei. Pra não deixar dúvidas, registro aqui meu mais profundo repúdio a mais este ato que aponta para o aprofundamento da radicalização no Brasil.

No entanto, sinto a necessidade de dizer também que o vídeo do grupo passa do tom no ponto de vista simbólico e, mais ainda, no período de Natal em um país majoritariamente cristão como o Brasil.

Lembrando que, segundo o último censo do IBGE em 2010, 86,8% da população brasileira se considera cristã; sendo 64,6% católicos e 22,2% evangélicos. Ou seja, a maioria do povo brasileiro tende a se sentir desrespeitada em sua fé religiosa se assistir ao vídeo do grupo.

O ocorrido contra o Porta dos Fundos faz lembrar do terrível atentado contra a revista francesa Charlie Hebdo, em 2015. O semanário satírico, porém, promoveu uma campanha de sistemáticos e agressivos ataques simbólicos contra o islamismo, debochando do profeta Maomé e resultando num atentado brutal contra a redação da revista por parte de grupos extremistas islâmicos, deixando 12 mortos e 5 feridos.

Na minha opinião, a tática de mexer com o simbólico, ainda mais no campo do sagrado, não é a melhor forma de se contrapor e, muito menos, combater o extremismo religioso.

Acho que o campo progressista, em especial o de esquerda, está cometendo um grave erro ao radicalizar o debate de costumes na perspectiva da religiosidade. O que pode ser um baita tiro no pé, se pensarmos que em 2020 teremos eleições municipais e, especificamente, a cidade do Rio de Janeiro terá a possibilidade de mudança de ares com candidaturas progressistas ou sucumbirá no aprofundamento da agenda conservadora com a reeleição do alcaide Marcelo Crivella em possível aliança com Bolsonaro.

No mais, pode ter acontecido a primeira fagulha no palheiro de uma radicalização perigosa, fruto da guerra cultural estabelecida a partir da conjuntura fascistizante que vivemos.

Nenhum comentário: