Eleições: nas redes sociais, direita na dianteira, por Natasha Bachini e João Feres Jr.

Publicado no Manchetômetro.


No último domingo (8/7/2018), o noticiário foi pautado pelas sucessivas decisões judiciais acerca da soltura do ex-presidente Lula. Desde às 9h, quando o desembargador plantonista do TRF4, Rogério Favreto, acolheu o pedido de habeas corpus da defesa do ex-presidente, baseado no preceito fundamental da presunção da inocência e no direito político de participar do processo eleitoral, seguiram-se ao menos quatro tentativas de impedir sua execução. As reviravoltas do caso tiveram grande repercussão nas mídias sociais, com destaque para o Facebook, onde observou-se larga circulação de posts dedicados ao assunto. Considerando a dimensão política do evento, decidimos elaborar esse estudo especial.

Neste dia, foram realizadas 1.583 postagens pelas 145 páginas que monitoramos regularmente no Facebook.[1] O assunto da concessão da liberdade a Lula foi tão importante que todos 20 posts mais compartilhados trataram dele. Estes posts representam 36% (ou 657.798) do volume total de compartilhamentos registrados nessas páginas durante o período, uma taxa altíssima em relação à média alcançada pelos 20 posts mais compartilhados em semanas “normais”. Dentre os posts que possuem texto, 22% citam diretamente Lula ou Moro.

As páginas que mais veicularam posts na data foram Juventude Contra Corrupção (100 posts), Juiz Sergio Moro – o Brasil está com você (93 posts) e Movimento Contra Corrupção (91 posts). Tal dado e a composição do ranking, majoritariamente ocupado por páginas da nova direita, sugerem que a reação à soltura no Facebook acompanhou a cobertura midiática, cujo enquadramento do assunto foi predominantemente negativo, como mostrou estudo nosso sobre a Band News e o portal UOL.

As páginas que mais emplacaram posts na lista foram Movimento Brasil Livre, Vem Pra Rua Brasil e Juiz Sergio Moro – O Brasil está com você. Utilizando-se do mesmo recurso de comunicação, a combinação entre foto e texto, esses movimentos acusaram Rogério Favreto de agir ideologicamente, por ter sido filiado ao PT antes de assumir o cargo de desembargador, e comemoraram as investidas do juiz Sergio Moro e do desembargador Pedro Gebran para impedir a soltura do ex-presidente. As fotos desses personagens estamparam os posts. Enquanto Favreto foi declarado o “maior inimigo do Brasil”, Sergio Moro foi exaltado como “herói da nação”.

Adotaram discurso semelhante, porém em formato de vídeo, o deputado Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e o ex-prefeito de São Paulo, João Dória (PSDB), que é publicamente conhecido por sua amizade com Moro. Bolsonaro afirmou em seus posts que as instituições políticas brasileiras estão aparelhadas e que “Lula é o verdadeiro fantasma que assombra o Brasil”, em resposta à matéria da revista Veja, que o tratou dessa forma. Já Dória questionou o que não teria acontecido com o Brasil se Dilma ainda continuasse no poder e cumprimentou Moro por sua atitude, endossando o coro que o chamou de “herói”.

Três páginas da imprensa também garantiram posições no ranking a partir de matérias que trataram da concessão do habeas corpus. Tivemos uma matéria do G1, uma de O Globo, e uma da VEJA. A primeira e a segunda trataram a decisão de modo neutro, citaram o antigo vínculo partidário do desembargador Favreto, enquadraram Lula de modo ambivalente e Sergio Moro de modo neutro. No vídeo que a acompanha a primeira, a decisão é tratada “com surpresa”, visto que todas as instâncias anteriores a tinham negado. O vídeo também criticou as “inúmeras possibilidades recursais”, a “falta de unidade jurídica no Brasil” e comentou o impacto positivo que a soltura teria na campanha do petista, que alcança bom desempenho nas pesquisas, mesmo preso. A terceira, da VEJA, focou na militância anterior do desembargador, não entrando em detalhes sobre o processo. Ou seja, Favreto é desqualificado como ideológico nas três matérias.

Por fim, temos dois posts da página do próprio Lula. O sexto post é um vídeo dos deputados Wadih Damous (PT-RJ) e Paulo Pimenta (PT-RS), gravado na frente da Polícia Federal em Curitiba-PR, no qual comentam a decisão de Rogério Favreto e denunciam a ligação de Moro, em férias, para a polícia federal pedindo que a ordem de soltura não fosse acatada. Os deputados destacam que tal conduta é passível de processo disciplinar e criminal, e configura Estado de exceção. No décimo segundo post do rol, juristas brasileiros denunciam que o caso Lula é “uma farsa jurídica”, pois já se sabia do resultado antes que chegasse ao final. Comentam ainda o espetáculo midiático realizado e a postura inadequada do juiz Sergio Moro, que “perdeu sua imparcialidade ao tornar-se parte da acusação”. Participam do vídeo Celso Antonio Bandeira de Mello, Eugênio Aragão, Alamiro Velludo Netto, Claudio Lembo, José Francisco Siqueira Neto e Weida Wancaner.

Em suma, a repercussão no Facebook da concessão do habeas corpus a Lula foi amplamente negativa, ao menos dentre as páginas da nossa amostra. O resultado dessa coleta especial ratifica os dados levantados em nossos relatórios até então, que mostram desempenho constante e significativamente maior das páginas da nova direita. Isto pode ter diversas explicações, entre elas está a evidente profissionalização dos grupos da nova direita, vários deles capazes de produzir 100 posts em um só dia.

O evento da batalha jurídica em torno do habeas corpus nos dá uma oportunidade ímpar para verificar a cobertura da mídia e a movimentação das mídias sociais de modo comparativo. A matéria em si foi bastante controversa inclusive entre os operadores do Direito. Contudo, a grande mídia, como já mostramos em outro estudo, somente deu voz aos especialistas contrários ao habeas corpus e a políticos adversários de Lula, enquanto que a perspectiva simpática ao petista quando não foi ignorada, apareceu na voz de seus advogados, ou seja, daqueles que defendem o interesse da parte acima de tudo. No Facebook o desequilíbrio foi bastante semelhante, só que os agentes agora são os movimentos da nova direita e não a grande mídia, que aparece de maneira marginal entre os posts mais compartilhados, sempre em matérias negativas para Lula.

Nem a grande imprensa nem o Facebook refletiram a controvérsia que se desenrolou e que atinge o Judiciário, a Política e boa parte da sociedade brasileira. Com tamanha distorção na mídia tradicional e nas mídias sociais, é difícil saber o que de fato é opinião pública em nosso país.
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[1] As 145 páginas monitoradas incluem candidatos à Presidência da República e aos governos dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro; todos os partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), meios de comunicação com maior número de seguidores (essa categoria contempla mídia impressa, canais da internet e mídia televisiva), principais instituições políticas do país governamentais mais curtidas (as dez primeiras), movimentos sociais e sindicatos de maior expressão (estão incluídos nessa categoria tanto os tradicionais quanto os novíssimos) e políticos mais populares na rede. Para a lista completa de páginas monitoradas pelo Facebook (aqui)

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