A centralidade do petróleo no golpe de 2016, por José Álvaro de Lima Cardoso
Publicado no Outras Palavras.
Quem não entender que o petróleo está no centro do processo golpista em operação no Brasil terá dificuldade de compreender a conjuntura econômica e política nacional. Os EUA, que dão as coordenadas principais do golpe no Brasil, têm uma necessidade dramática de fontes de suprimentos, na medida em que é o maior consumidor de petróleo do mundo, mas não em quantidade suficiente para suprir o consumo do país. Por detrás do golpe no Brasil (como ocorreu nos demais países da América Latina que foram golpeados) há uma constatação de caráter estratégico, que é definitiva: o petróleo barato de produzir não tem nenhum substituto. Ele acabou, e o mundo já há algum tempo sofre as consequências políticas, sociais e militares deste problema. A produção de petróleo não convencional (o chamado “shale oil”, produção a partir de xisto betuminoso), vem adiando um pouco o momento em que a produção mundial de combustíveis irá diminuir em termos absolutos (ver o importante artigo “Energia e desenvolvimento soberano, em dez lições”, de Felipe Coutinho).
Os recursos do pré-sal, anunciados pela Petrobras em 2006, mudaram a inserção e a posição do Brasil na oferta de energia mundial. Eles podem chegar a 300 bilhões de barris, o que significa, em termos monetários, algo em torno de R$ 30 trilhões. Apesar das declarações estapafúrdias de alguns “especialistas” à época do anúncio — que diziam dentre outras coisas que o óleo do pré-sal era inviável comercialmente — este já representa hoje 50% da produção nacional. A estimativa do setor é que, se o Brasil não tivesse descoberto o pré-sal, hoje o país já estaria importando 500 mil barris/dia de petróleo. O produto extraído do pré-sal possui, além disso, alta produtividade e baixo risco de exploração, razões pelas quais, também, motivou um sórdido golpe de estado.
Segundo denúncia da Federação Única dos Petroleiros (FUP), que organiza neste momento um calendário de luta, o golpe passará a atacar agora as refinarias, com a venda de 60% de quatro unidades essenciais: REPAR (PR), Abreu e Lima (PE), RLAM (BA) e Refap (RS). Somente a venda dessas quatro unidades irá afetar o emprego de 3.700 trabalhadores. Mas o pacote inclui ainda 24 dutos e 12 terminais. O golpe segue, assim, um roteiro criminoso, visando converter o Brasil em mero provedor de matérias-primas para o mundo desenvolvido e, ao mesmo tempo, transformar o país em importador de derivados do petróleo e de produtos industrializados em geral.
Um aspecto peculiar deste golpe é que é possível denunciar suas consequências ao mesmo tempo em que ele vai se desenvolvendo. Porém, como estamos em processo de guerra semiótica e não temos força para barrar as ações do golpe neste momento, praticamente nada acontece. É uma briga de David contra Golias.
O Brasil é vítima da chamada guerra híbrida, guerra não convencional, que se vale de instrumentos linguísticos e simbólicos, usando métodos altamente sofisticados. Esse tipo de metodologia utilizou “aliados internos” para perpetração do golpe, no Judiciário, na polícia, entre as empresas, na mídia, no parlamento e demais estruturas do Estado. Foi um golpe parlamentar/jurídico/midiático.
Os EUA estão dando golpes no mundo todo, com atenção especial para a América Latina, que consideram seu “quintal”. Porém, além do petróleo e outras matérias-primas essenciais, uma explicação central do envolvimento dos EUA no golpe no Brasil é também a tentativa de impedir que se crie outra potência no continente americano. Uma potência na América do Sul e ligada comercial e politicamente à China e à Rússia é tudo o que os Estados Unidos não querem. Não foi por acaso que o ataque inicou pela Petrobras e pelas grandes construtoras, a começar pela Odebrecht. Essas empresas eram estratégicas para o ataque do capitalismo financeiro americano no enfraquecimento dos BRICS e no processo de inserção autônoma, econômica do Brasil junto com Rússia, China, e os demais países.
Há brasileiros bem intencionados achando que as eleições de 2018 irão “consertar tudo”. Mas é grande o risco de as eleições serem apenas um mecanismo de institucionalização do golpe. O serviço não foi concluído, pretendem aprofundar muito mais a destruição, o que passa por institucionalizar o golpe, isto é, dar-lhe uma fachada de legalidade. E as eleições terão um papel fundamental nisso, se conseguirem garantir a vitória de um candidato seu. Se perceberem que não irão conseguir emplacar um candidato irão inviabilizar as eleições, utilizando qualquer pretexto (como no caso do impeachment em 2016). Irão lançar mão, se precisar, inclusive do golpe militar. É uma temeridade que uma parte significativa dos trabalhadores esteja apostando todas suas fichas nas eleições, dentre outras razões porque elas podem não acontecer.
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José Álvaro de Lima Cardoso é Economista, doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, supervisor técnico do escritório regional do DIEESE em Santa Catarina.
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