PT: Reencantar é retroceder? Trocaremos Macunaíma por Asterix? Por Washington Quaquá

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Ninguém é afeito a contar derrotas, só vitórias. Mas também há momentos em que acuados por alguma derrota, somos constrangidos a não falar das vitórias. Digo isso pra falar da minha corrente interna no PT: a CNB.

Sou pato novo na CNB, a maior e desde a fundação do partido a corrente hegemônica no PT. Estou na CNB há uns 4 anos e só agora há menos de dois anos me sinto de fato integrado e aceito como membro. Todo grupo social é assim. Não basta se reivindicar dele, é preciso se sentir parte e se sentir aceito pelo restante do grupo. É um sentimento de interação mútuo. Seu e do grupo a que você passa a pertencer.

Sou petista acima de qualquer coisa. Entrei pro PT com 15 anos de idade e hoje tenho 46. Nasci no complexo de favelas do Caramujo, em Niterói, RJ, filho de um soldado da PM com quarta série primária e de uma dona de casa que já vendeu roupa e foi atendente de padaria para sustentar os filhos. O PT salvou minha vida e me deu um sentido pra ela. Se não fosse o PT poderia ser um soldado do tráfico ou um sub empregado como foram vários de meus primos e amigos de infância. Para mim e para milhões de nascidos pobres do Brasil o PT foi um "pai" e um agente civilizador.

O PT me levou para o movimento estudantil secundarista. O PT me fez ir para a universidade (UFF) cursar e me formar em ciências sociais. O PT me fez fazer movimento estudantil universitário e fazer parte do conselho universitário. Fui presidente do PT do município de Maricá em 1989, com 18 anos de idade. As mesmas elites locais que me chamavam de "pé inchado" e "pé rapado" tiveram que me engolir porque depois de 5 derrotas consecutivas (2 pra vereador, 1 de deputado estadual e 2 de prefeito), fui eleito prefeito de Maricá por 2 mandatos (8 anos), saindo com aprovação de 93% da população e ajudando a eleger meu sucessor do PT.

O PT teve primeiro para seus militantes um papel civilizador. Milhares e milhares de brasileiros e brasileiras destinadas a "não ser". Os "nadas do mundo", como eu, encontraram nesta partido o seu espaço de representação política. Passaram a "ser alguém" e a lutar "por alguma coisa". Eu, por exemplo. Passei a ser "trotskista", "marxista", "socialista", "reformista" e fui evoluindo até me tornar, hoje, sobretudo "Lulista". O que pra mim significa um pouco de tudo isso que fui sem negar nada.

Lula é um pouco disso tudo. É um símbolo do que Darcy Ribeiro nos contou sobre a epopeia desse fenômeno chamado "povo brasileiro". E seu instrumento político é essa "coisa" real chamada PT, que é também instrumento político de todos nós do povo ou da intelectualidade de esquerda que se encontrou e se identificou nessa esquina da história brasileira. E a CNB é esse ponto de equilíbrio e governança que levou esse partido a ser o que é. Lula e o PT são esse fenômeno brasileiro. É uma jabuticaba política. Uma coisa nossa. Uma coisa brasileira, como a boa malandragem da Lapa ou do Pelourinho. Conhece a filosofia alemã, a institucionalidade iluminista e a racionalidade inglesa, mas leva a vida na ginga da capoeira.

Quando nós começamos a deixar de ser uma importação europeia: alemã, francesa, inglesa ou russa de 17, nós passamos a ser o que somos hoje. Para alguns seriamos até hoje um partido social democrata alemão de Rosa Luxemburgo ou um Partido Social Democrata Russo de Lenin e Trotsky, sem as deformações posteriores. O sonho do paraíso cristão, sem maçã e sem o bom pecado da carne. Onde ninguém come ninguém... uma chatice!

Mas não, nós ousamos em 2002, romper uma lógica de paraíso sem maçã e resolvemos romper os 30% de eleitorado cativo. Resolvemos fazer uma aliança com uma fração da burguesia e colocar Ze de Alencar Vice do Lula. Isso nos deu o que nunca tivemos para ganhar a eleição. Comemos a maçã e fomos expulsos do paraíso! Mas milhões de brasileiros e brasileiras viveram melhor, estudaram mais, moraram melhor, experimentaram coisas novas e futuro na vida. Viram um operário governar melhor que os doutores. Viram um país desprezado ser respeitado no mundo. Viram a primeira experiência de governo popular e de esquerda ser exitosa para o povo na história brasileira. Isso foi uma vitória que precisa ser contada e a tática utilizada para construir essa vitória foi correta e isso precisa ser dito!

E eu pergunto: Isso foi pouco?

Claro que nós cometemos erros! E o maior foi ter acreditado demais no jogo institucional e no compromisso democrático de uma elite brasileira que não gosta do país e que não tem compromisso civilizatório, democrático e nem nacional. A aliança deles conosco foi funcional e de nós com eles infantilmente sincera. No jogo de carteado numa bimboca de malandros da Lapa, acreditamos que o adversário não iria esconder cartas na manga pra nos trapacear na primeira dor de barriga que nos fez ir ao banheiro e largar a mesa sozinhos sem vigília.

Sair da mesa ou entrar em roda de malandro sem uma navalha para se proteger não é coisa que se faça. Madame Satã já nos ensinava isso no passado. Caímos de bobos. Mas os erros servem para ser corrigidos no próximo período.

O Problema é que tem muita gente que gosta de simplificar a crítica e jogar fora a criança junto com a água do banho!

Muitos falam em reencantar o PT! Mas reencarnar para muitos não passa de sinônimo para retroceder. Para quase jogar fora uma experiência exitosa de alianças eleitorais e sociais que permitiram ganhar a eleição de 2002 e governar realizando o maior processo de inclusão social da história do país.

Reencantar para muitos significa transplantar novamente um modelo europeu de partido, um desejo de paraíso sem maçã. De revolução perfeita feita em laboratório e descrita em teses acadêmicas. Quando não também não passa da chance de agrupar gente para uma luta internista que junta objetivos ideais desconeço com as histórias individuais.

A hora agora é de reinterpretar o acontecido no Brasil de 2002 a 2015 com seus erros e imensos acertos. A hora agora é de defender Lula! A hora agora é de reconstruir o PT como partido orgânico do "povo brasileiro", nas favelas, sertões e periferias. De nos reconstruir como partido de massas e dirigente do povo. De pegar carona na popularidade do Lula e na reabilitação do PT, construindo os comitês de defesa do Lula em cada casa e em cada canto deste país.

E hora de dialogar com o povo e com as forças vivas das classes populares para discutir "O Brasil e os Estados que o povo quer"!

É hora de junto com CUT, MST, Contag e aliados nos movimentos populares de construirmos escolas de formação, cursos de formação de militantes e quadros; construir instrumentos de comunicação de massa unificados. Organizar a nossa força militante e nosso exército para a luta de classes que vai se acirrar nas eleições e, com a vitória do Lula, nas batalhas do nosso futuro governo.

Mas isso não significa que vamos nos fechar e deixar de dialogar com outras forças. Que vamos nos isolar e voltar a nos contentar com nossos 30% para sermos derrotados com glória e sem tocar na maçã do paraíso enquanto milhões de brasileiros e brasileiras voltam a passar fome e a ter sua vida precarizada e sua sobrevivência intermitente!

Precisamos mais do que reencantar! A CNB precisa ser chamada a responsabilidade de dar rumo a essa geringonça, para usar um termo que os portugueses usaram e usam para caracterizar a aliança PS/Bloco de Esquerda que formou o exitoso governo de António da Costa. Precisamos dar um rumo a nosso partido, com autocrítica e correção de rumo sim!

Mas com cuidado para não pegarmos que isso aqui será consertado com receitas europeias de uma filosofia distante da realidade. Nós não podemos sair da crise agarrando nos próprios cabelos para sair do atoleiro, como o Barão de Munchausem na anedota europeia. Temos que utilizar da nossa realidade brasileira e da nossa experiência concreta para fazer como os militantes sociais e de esquerda que mais transformações fizeram no mundo no século XXI. Feito que ninguém tira do PT. Para corrigir erros, reconstruir nosso partido, sermos vitoriosos e governar retomando a trajetória de mudança social, aprofundando-as no Brasil, com Lula novamente presidente.


Washington Quaquá é presidente estadual do PT/RJ e foi prefeito de Maricá/RJ por 2 mandatos (8 anos), tendo ajudado a eleger o sucessor, Fabiano Horta, também do PT.

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