Impunidade do Carandiru e o país do "bandido bom é bandido morto"
Estou para publicar esse texto há duas semanas, mas em função de muito trabalho na campanha eleitoral para o meu vereador e a sequência sem fim de fatos alarmantes da conjuntura nacional, não consegui terminá-lo. Mas, com atraso, segue o texto:
O Massacre do Carandiru, quando 111 presos foram executados por forças policiais que invadiram o Pavilhão 9 da então Casa de Detenção de São Paulo, completou no último dia 2 de outubro, 24 anos. Mas, antes, no dia 27 de setembro, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou os julgamentos que condenaram 74 policiais militares pelo massacre.
O desembargador Ivan Sartori, relator do processo, votou não só pela anulação, mas também pela absolvição dos réus, o que contraria, segundo juristas, o Código de Processo Penal, por ir de encontro à decisão de um júri popular. Segundo Sartori, ''não houve massacre'', mas ''legítima defesa''.
O mesmo Sartori condenou Edson Castanhal Affonso a seis meses de reclusão pelo furto dos cinco salames em 2013, segundo reportagem publicada pelo jornal El País. Segundo a própria denúncia do Ministério Público, o homem furtou os produtos de um mercado em Poá, escondeu-os debaixo da blusa, foi detido pelo segurança da loja e terminou o episódio na delegacia. Lá, ele confessou “que estava desempregado e, como tinha muita fome, acabou furtando a mercadoria”. Para a Defensoria Pública, dada sua motivação e o bem furtado, ele poderia ter sido absolvido. Para Sartori, que decidiu o caso em julho último, Affonso, com passagens anteriores pelo mesmo crime, é “um infrator contumaz, que faz do crime meio de vida”. O desembargador lhe impôs a pena em regime semiaberto e o pagamento de uma multa, porque acredita que “reconhecer sua incidência em larga escala seria o mesmo que incentivar a prática de pequenos furtos, com o escudo do Judiciário, o que não pode ser tolerado”.
Dos 111 presos assassinados ao final do motim que teve início com um desentendimento em um jogo de futebol no pátio anexo ao pavilhão 9, cerca de 89 aguardavam seus julgamentos no regime carcerário, ainda sem condenação. Não havia mocinhos, mas sim bandidos, em grande parte jovens, recém presos, alguns réus primários ainda não separados nos diferentes (e superlotados) pavilhões de acordo com o tipo de crime cometido, mas ainda sem associação com o crime organizado. Do lado da polícia, sabe-se que os réus são responsáveis pela morte de 300 pessoas em ocorrências policiais, segundo levantamento da promotoria. O recordista de casos é Cirineu Carlos Letang Silva, condenado em 2014 por 52 mortes e apontado como um serial killer de travestis.
Qual o recado que a anulação do julgamento "por legítima defesa” de policiais que mataram 9 de cada 10 vítimas do Carandiru com tiros na cabeça dá à sociedade? Obviamente, que “bandido bom é bandido morto”.
Há uma seletividade latente na Justiça brasileira. E, personificada pelo desembargador Sartori que, com dois pesos e duas medidas, promove uma perigosa deseducação e desinformação sobre o conceito de justiça na sociedade brasileira.
Abraços,
Daniel Samam
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