Abrir mão da Petrobras é abrir mão do Brasil, por Pedro P. Bocca

Artigo originalmente publicado na Carta Capital.


A votação na Câmara Federal, realizada no último dia 5, do Projeto de Lei 4567/16, que desobriga a Petrobras de ser a operadora de todos os blocos de exploração do pré-sal no regime de partilha de produção, é parte fundamental da agenda coordenada do novo governo ilegítimo e seus parceiros internacionais.

Proposto no Senado por José Serra (PSDB) – alçado não por acaso ao papel de ministro das Relações Exteriores pelo governo Michel Temer (PMDB) – o projeto retira da Petrobras o controle sobre as reservas do pré-sal, e abre caminho para a exploração estrangeira destes recursos.

A crise eclodida em 2008 reforçou a importância estratégia do controle dos recursos naturais. Se por um lado a crise propiciou condições para que economias emergentes, como o Brasil, crescessem ocupando espaços deixados pelos países centrais, acirrou a disputa por recursos naturais, fundamentais para a recuperação das economias desenvolvidas. Combustíveis fósseis, como petróleo e gás, ganham ainda mais importância neste processo.

A queda vertiginosa do preço do barril de petróleo nos últimos anos pode, e deve, ser encarada como uma ação política. Se em julho de 2014 o preço do barril era de 111,87 dólares, em setembro de 2016 é de 46,19 dólares, tendo sua maior queda em janeiro deste ano, quando chegou a 30,80 dólares.

Barato para quem precisa comprar, baixo para quem produz – em especial para os países cuja extração tem um custo mais alto, como no caso venezuelano e do pré-sal brasileiro. O preço, dizem os mais céticos, é regido pelo mercado. Mas quem rege o mercado?

Não pode ser tratado como uma mera coincidência, portanto, o fato de que diversos países que tenham nestes recursos elemento importante de sua economia ou ação geopolítica tenham sido, nos últimos anos, alvo de instabilidade política e econômica.

A invasão da Líbia (9ª maior reserva de petróleo do mundo), o conflito gerado na Ucrânia (envolvendo reservas de gás natural), a guerra civil forjada na Síria (país aliado da Rússia, que possui controle estratégico de gasodutos no Oriente Médio) e a crise político-econômica na Venezuela (maior reserva de petróleo do mundo, e um dos dez maiores produtores) fazem parte deste cenário.

Sendo assim, também não é coincidência que no Brasil, dono da sexta maior reserva comprovada de petróleo do mundo após a descoberta do pré-sal, a desestabilização do governo Dilma Rousseff tenha se iniciado justamente tendo como foco a Petrobras, no episódio conhecido como “Petrolão”, berço da operação Lava-Jato.

Como em um flashback noventista, o ataque à Petrobras e as acusações de corrupção têm um claro objetivo de denunciar a má gestão do Estado sobre a empresa e levar opinião pública, elite e (agora cada vez mais) governo à “inevitável” privatização – cuja tese ganha ainda mais peso em um momento de menor lucratividade produtiva.

Se a privatização da Petrobras – ou Petrobrax, retomando o projeto de “internacionalização” da marca no governo Fernando Henrique Cardoso – retiraria completamente do Estado a soberania sobre as reservas e a exploração do mais geopolítico dos recursos naturais, o projeto do neo chanceler ilegítimo cumpre parcialmente este objetivo.

Serra, em defesa de seu projeto no Senado, alegou que retirar da Petrobras a obrigatoriedade da operação das reservas do pré-sal não significa a perda da soberania do Estado sobre seus recursos, pois o poder de decisão sobre a exploração das reservas passa ao Executivo. É compreensível, portanto, que o projeto apresentado em 2015 venha a ser aprovado nos primeiros meses do governo de Michel Temer.

Se o governo Dilma Rousseff já sinalizava uma mudança de rumos da política externa altiva e ativa dos oito anos anteriores, mantendo algumas de suas principais características mas apostando na reaproximação com os Estados Unidos, a “política externa transilvânica” nas mãos de Serra e Temer no faz embarcar em uma cápsula do tempo que nos leva de volta aos anos 90.

As seguidas tragédias diplomáticas do governo ilegítimo em relação aos vizinhos latino-americanos, cuja integração era uma das bases da política anterior, é apenas parte do desastre maior.

Ao mesmo tempo em que minam a integração regional em nosso continente, Temer e Serra se aproximam das economias centrais que sempre relegaram ao País um papel subalterno na Divisão Internacional do Trabalho, trazem instabilidade aos BRICS e atuam na contramão das relações Sul-Sul que fizeram do Brasil importante ator da política internacional no último período, tanto como liderança regional, como dos países emergentes.

Ao negar este papel, o Brasil se apequena para o mundo e a entrega do pré-sal aos interesses estrangeiros reforça este movimento.

A descoberta histórica do pré-sal brasileiro – e o desenvolvimento da tecnologia necessária para sua extração – poderia alterar o papel do País do cenário internacional, reforçando sua liderança e garantindo autonomia para a consolidação de um projeto de desenvolvimento nacional.

As grandes potências sabem disso, e a reativação da IV Frota Naval dos Estados Unidos, suspensa desde o fim da II Guerra Mundial, na costa do Atlântico meses após a descoberta das reservas litorâneas mostram isso. Mais do que a gasolina que abastece automóveis, o petróleo significa no atual contexto internacional um combustível ainda maior: poder.

Ao abrir mão desta riqueza econômica e política, Temer, Serra, o Senado e a Câmara Federal abrem mão de um projeto de nação soberana e independente. O que é coerente com o que tiveram que fazer para assumir o governo. Os vampiros se divertem.

Pedro P. Bocca é professor de Relações Internacionais da Fundação Santo André e integrante do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GR-RI.

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