Uma Guerra e Outra
Por Darlan Montenegro*
Duas novidades têm marcado a mais recente etapa da luta entre os defensores e os opositores da proposta de impeachment da presidente Dilma Rousseff que tramita na Câmara dos deputados. Ambas têm a mesma origem e guardam forte relação entre si. Ambas podem contribuir para o mesmo resultado, no curto prazo, que é a derrota do pedido de impeachment. Mas, caso obtenham essa primeira vitória, podem vir a se mostrar contraditórias, mais adiante.
A primeira dessas novidades a surgir, em termos cronológicos, foi a entrada de Lula no centro do processo político em curso. A segunda foi a emergência de um impressionante movimento em oposição ao impeachment, que se expressou não apenas em grandes manifestações de rua, mas também num amplo conjunto de mobilizações dos mais diversos segmentos da sociedade civil.
O elemento detonador desses dois novos componentes da conjuntura foi a condução coercitiva de Lula para depoimento, pela Polícia Federal, sob as ordens do juiz Sérgio Moro, no Aeroporto de Congonhas (embora seja muito provável que o objetivo efetivo da operação fosse leva-lo para Curitiba, onde talvez fosse preso), no dia 04 de março. Na noite daquele mesmo dia, Lula fez o famoso discurso em que se apresentou como uma jararaca, pronto para o combate. Lula, em um mesmo movimento, anunciava sua reentrada definitiva na cena política e convocava a tropa para a luta, em defesa do seu legado e do significado da sua liderança para a política brasileira, por um lado, e contra a deposição da presidente da República, por outro.
A entrada de Lula no teatro de guerra, como marechal de campo, foi a senha para que a mobilização do campo popular em oposição ao impeachment e à sua prisão tivessem início. Esse amplo movimento, ainda que muito solidário ao ex-presidente e cioso da necessidade de preservar a democracia e impedir a deposição de Dilma, não ocorreu sem que se expressasse, de maneira absolutamente evidente, a colossal insatisfação do campo popular com as concessões do governo aos interesses do grande capital (sem mencionar a quase unanimidade que se pode verificar entre os opositores do golpe em classificar como leniente a atitude dos governos petistas para com os monopólios midiáticos).
Lula, por outro lado, opera, como sempre o fez, através de uma dupla interface. Por um lado, agita a tropa, atiça a militância e constrói força social para assustar o adversário. Por outro, através de acordos de bastidores, busca construir um caminho que impeça o golpe e dê continuidade ao governo, através de dois tipos de ação: a construção de uma base de sustentação parlamentar que impeça a vitória do impeachment na Câmara e a construção de pontes com a oposição e com as elites econômicas em busca de um grande acordo nacional. E é aí, nesse último movimento, que se prepara o terreno para um eventual desacerto no bloco social de sustentação de Dilma, no dia posterior a uma eventual vitória da presidente na votação do processo de impeachment.
A energia despertada pela grande campanha de oposição ao golpe tem sido acompanhada, como mencionado acima, pela demonstração de grande insatisfação com a guinada de Dilma à direita, no segundo mandato, em especial com o ajuste fiscal. A tentativa de preservar essa política intocada, no caso da derrota do processo de impeachment, dificilmente será digerida pelos segmentos da população que estão, ao que parece, garantindo a vitória sobre os golpistas.
A volta de Lula ao proscênio é uma novidade esperada. A volta das massas de esquerda é que estava fora do cálculo. Essas massas mobilizadas e organizadas foram descartadas pelos governos petistas como agentes do processo político, desde o início do primeiro mandato de Lula, em função precisamente da sua capacidade de desestabilizar os acordos predominantemente conservadores estabelecidos pelo então presidente. Lula governou a frio. E Dilma vinha tentando fazer o mesmo.
As massas mobilizadas são a grande esperança, nesse momento, não apenas de vitória contra o golpe, mas também de um conflito com o governo que torne difícil a continuidade da política de ajuste. E, paradoxalmente, é justamente aí que reside a maior probabilidade de que Dilma consiga sair do isolamento político e de Lula se tornar viável em 2018. A população mobilizada em torno de bandeiras progressistas é a maior esperança que temos de barrar a ofensiva conservadora e de reorientar o governo, ainda que contra sua própria vontade.
Trata-se, nesse momento, de derrotar o golpe e, em seguida, permanecer nas ruas, para derrotar a política econômica do governo e salvá-lo de si mesmo.
* é professor, historiador e cientista político da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Duas novidades têm marcado a mais recente etapa da luta entre os defensores e os opositores da proposta de impeachment da presidente Dilma Rousseff que tramita na Câmara dos deputados. Ambas têm a mesma origem e guardam forte relação entre si. Ambas podem contribuir para o mesmo resultado, no curto prazo, que é a derrota do pedido de impeachment. Mas, caso obtenham essa primeira vitória, podem vir a se mostrar contraditórias, mais adiante.
A primeira dessas novidades a surgir, em termos cronológicos, foi a entrada de Lula no centro do processo político em curso. A segunda foi a emergência de um impressionante movimento em oposição ao impeachment, que se expressou não apenas em grandes manifestações de rua, mas também num amplo conjunto de mobilizações dos mais diversos segmentos da sociedade civil.
O elemento detonador desses dois novos componentes da conjuntura foi a condução coercitiva de Lula para depoimento, pela Polícia Federal, sob as ordens do juiz Sérgio Moro, no Aeroporto de Congonhas (embora seja muito provável que o objetivo efetivo da operação fosse leva-lo para Curitiba, onde talvez fosse preso), no dia 04 de março. Na noite daquele mesmo dia, Lula fez o famoso discurso em que se apresentou como uma jararaca, pronto para o combate. Lula, em um mesmo movimento, anunciava sua reentrada definitiva na cena política e convocava a tropa para a luta, em defesa do seu legado e do significado da sua liderança para a política brasileira, por um lado, e contra a deposição da presidente da República, por outro.
A entrada de Lula no teatro de guerra, como marechal de campo, foi a senha para que a mobilização do campo popular em oposição ao impeachment e à sua prisão tivessem início. Esse amplo movimento, ainda que muito solidário ao ex-presidente e cioso da necessidade de preservar a democracia e impedir a deposição de Dilma, não ocorreu sem que se expressasse, de maneira absolutamente evidente, a colossal insatisfação do campo popular com as concessões do governo aos interesses do grande capital (sem mencionar a quase unanimidade que se pode verificar entre os opositores do golpe em classificar como leniente a atitude dos governos petistas para com os monopólios midiáticos).
Lula, por outro lado, opera, como sempre o fez, através de uma dupla interface. Por um lado, agita a tropa, atiça a militância e constrói força social para assustar o adversário. Por outro, através de acordos de bastidores, busca construir um caminho que impeça o golpe e dê continuidade ao governo, através de dois tipos de ação: a construção de uma base de sustentação parlamentar que impeça a vitória do impeachment na Câmara e a construção de pontes com a oposição e com as elites econômicas em busca de um grande acordo nacional. E é aí, nesse último movimento, que se prepara o terreno para um eventual desacerto no bloco social de sustentação de Dilma, no dia posterior a uma eventual vitória da presidente na votação do processo de impeachment.
A energia despertada pela grande campanha de oposição ao golpe tem sido acompanhada, como mencionado acima, pela demonstração de grande insatisfação com a guinada de Dilma à direita, no segundo mandato, em especial com o ajuste fiscal. A tentativa de preservar essa política intocada, no caso da derrota do processo de impeachment, dificilmente será digerida pelos segmentos da população que estão, ao que parece, garantindo a vitória sobre os golpistas.
A volta de Lula ao proscênio é uma novidade esperada. A volta das massas de esquerda é que estava fora do cálculo. Essas massas mobilizadas e organizadas foram descartadas pelos governos petistas como agentes do processo político, desde o início do primeiro mandato de Lula, em função precisamente da sua capacidade de desestabilizar os acordos predominantemente conservadores estabelecidos pelo então presidente. Lula governou a frio. E Dilma vinha tentando fazer o mesmo.
As massas mobilizadas são a grande esperança, nesse momento, não apenas de vitória contra o golpe, mas também de um conflito com o governo que torne difícil a continuidade da política de ajuste. E, paradoxalmente, é justamente aí que reside a maior probabilidade de que Dilma consiga sair do isolamento político e de Lula se tornar viável em 2018. A população mobilizada em torno de bandeiras progressistas é a maior esperança que temos de barrar a ofensiva conservadora e de reorientar o governo, ainda que contra sua própria vontade.
Trata-se, nesse momento, de derrotar o golpe e, em seguida, permanecer nas ruas, para derrotar a política econômica do governo e salvá-lo de si mesmo.
* é professor, historiador e cientista político da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
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