Rio não estava sob domínio do PMDB, mas de Picciani e Sérgio Cabral, por Janio de Freitas

Publicado na Folha de S. Paulo.


A recente investida contra parte da corrupção política no Rio é o primeiro caso, nas tantas operações da Lava Jato e similares, com efeito direto em benefício da maioria da população. A lamentar, a não extensão simultânea do benefício ao restante do país, vítima da mesma extorsão há dezenas de anos aplicada por associação de empresários e políticos. E nos novos fatos ainda há, também, algum efeito higiênico no processo eleitoral.

Os preços do transporte coletivo privado são, como regra geral, resultantes de fraudes sucessivas. As primeiras, na contabilidade de custos e receitas das empresas, para discussão de valores das passagens com o poder público. Depois, os encaminhamentos nos Executivos e Legislativos, estaduais e municipais, como norma são acertos do "por fora" que aprova o preço fraudado.

Com isso, nas passagens de ida e volta do trabalho, moradores da periferia-dormitório do Rio (mas não só) chegam a gastar meio salário mínimo por mês. E quatro e mais horas diárias no desconforto e exasperação.

Os donos de empresas de ônibus constituem um poder político. Influem muito, com seus apoios financeiros e logísticos, na composição de muitas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores.

E mais até: podem ser decisivos na eleição de prefeitos e governadores, como foram em sua aliança com empreiteiros a força que fez de Moreira Franco um pretenso e abjeto governante fluminense. Com muitos casos escandalosos e muitos mais sem escândalo, os patronos e o patrocinado ganharam fortunas.

Até aqui, as investigações preferiram apurar os bens de Sérgio Cabral, e não a origem dos meios de adquiri-los. Agora é que, chamada de "máfia dos ônibus", tal fonte de corrupção ganha destaque no dispositivo de Cabral.

Mas toda a carreira desse político insaciável teve cada passo alimentado pelo preço das passagens fraudulentas dos ônibus. A queda de Cabral abalou o sistema político do Estado do Rio, mas não tanto quanto a queda de Jorge Picciani esperada da sua devassa pela polícia.

O Estado e a cidade do Rio não estavam sob o domínio do PMDB, como dizem. O domínio era de Picciani e Cabral, passou a ser só do primeiro, e não se sabe o que virá. Haja sucessor ou não, mais do que a eleição de governador em 2018, a de presidente é que será atingida pela derrocada de Cabral e Picciani, detentores da única máquina eleitoral capaz de sobrepor-se à dos neoevangélicos no Estado.

Huck, Bolsonaro e outros foram também atingidos, nas suas tramas eleitorais, pela recente investida contra a corrupção política no Rio: a maior e mais negociável base eleitoral está em via de colapso. Mas os milhões de usuários de ônibus estão ganhando, e isso vale muito mais.

Para quem gosta de comparações com o exterior, em Nova York e demais grandes cidades dos Estados Unidos, como em Paris e nas grandes cidades europeias, o transporte urbano de massa não é poder político, nem autor de corrupção.

Lá, nesses países exemplares de capitalismo, tal transporte não é privado, é serviço público – bom e decente.

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