O setor público não cabe no PIB, por Delfim Netto

Publicado na Carta Capital.



Foi uma semana didática. Mostrou o mundo como ele é: sórdido! Revelou o pragmático (primeiro o “meu”); o falso indignado (quero o “Fora Temer”, mas dou número no plenário); o hipócrita (não tenho nada contra Temer. Sou contra as reformas e defensor do corporativismo); o principista irresponsável (sou a favor dos “princípios”: às favas com as consequências); o cínico (somos governo pela governabilidade, mas ninguém é de ferro e 2018 está aí) e, finalmente, o oportunista inconformado, cuja resposta varia com a informação supostamente majoritária (a “pinguela” ruiu e quando se vê diante da “verdade do painel” sentencia: foi uma vitória de Pirro!).

O Brasil está fiscalmente quebrado! O seu setor público não cabe no PIB. No período de 2010 a 2013, a relação entre a dívida bruta e o PIB ficou praticamente estável: 52%. Vamos terminar 2017 com 75%.

Um crescimento de 13% ao ano! No mesmo período, o superávit primário médio de 2,4% do PIB foi transformado num déficit primário de 2,1%, o que está produzindo um aumento explosivo da relação entre a dívida e o PIB.

Esse desastre foi resultado de uma confluência de causas: 1. A recessão promovida pela política econômica do período de 2012 a 2015, que reduziu a receita. 2. O incontrolável aumento das despesas, inclusive a promovida por uma desastrada “reforma” da Previdência.

Vamos precisar de uma política séria de recuperação da receita (pela volta de algum crescimento e melhor distribuição de carga fiscal) e de um rígido controle das despesas por alguns anos.

Desde a posse de Temer, em maio de 2016, com a mudança da política econômica e a recuperação da credibilidade fiscal, se deu suporte à ação cuidadosa do Banco Central para baixar a taxa de juros e ajudar na redução do custo da dívida.

Há sinais claros, ainda que tênues, de que a economia se recupera lentamente, o que deverá ser confirmado agora que a Câmara se recusou a autorizar a continuidade do processo derivado de uma delação superpremiada.

É preciso insistir: isso não “inocenta” Temer da investigação! A partir de 1º de janeiro de 2019, ele terá de defender-se na Justiça de primeiro grau, com o mesmo direito de presunção de inocência e plena liberdade de defesa de qualquer cidadão brasileiro, com exceção do delator, o capo di tutti capi, que se diverte em Nova York.

A situação fiscal continua péssima e alterar a “meta” do déficit primário (159 bilhões de reais) sem as “reformas” e com aumento de imposto, insistindo que é impossível reduzir as despesas, não fará bem à credibilidade da política econômica diante do afrouxamento dos aumentos salariais dos servidores públicos justificados como “cumprimento da promessa do governo anterior”.

A Nação não aguenta mais ter de sacrificar os investimentos em saúde, em educação, em pesquisa científica, em infraestrutura, enfim, o próprio desenvolvimento no altar dos “sagrados” salários do alto funcionalismo corporativista e suas generosas aposentadorias.

É preciso enfrentar com urgência e determinação o caos jurídico da “cascata”, que destruiu toda a racionalidade da política salarial do servidor público.

Para começar, seria bom adiar os aumentos já concedidos para 2018 (já terão o ganho de menor inflação) e determinar que toda remuneração recebida, de qualquer fonte (com exceção dos expressamente constitucionais) acima do “teto”, resultados da hermenêutica “criativa” (à qual se dedicam, às vezes, os próprios Tribunais Superiores), seja imediatamente suspensa. É hora de radicalizar para salvar o País!

O Brasil, aliás, não é uma exceção. Ainda agora, o ministro das Finanças da Inglaterra, Philip Hammond, enfrenta a insegura primeira-ministra Thereza May, que quer eliminar o congelamento a 1% do aumento salarial do funcionalismo que ganha acima de 21 mil libras anuais, iniciado em 2011, depois da gastança promovida pelo governo “socialista” (1997-2010).

Como a inflação de 2011 a 2017 tem sido, em média, de 2%, isso significa uma diminuição dos salários reais do alto funcionalismo, reduzindo a distância entre o valor atual da remuneração (salário + vantagens) entre o setor público e o privado. O mesmo aconteceu e acontece, ainda, em outros países nos quais o Estado teve de ser posto de volta dentro do PIB.

Delfim Netto é Economista formado pela USP, é professor de Economia, foi ministro e deputado federal.

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