"Renan, o supremo", por Maurício Dias

Originalmente publicado na Carta Capital.


Renan Calheiros desacatou a lei com sucesso e invalidou a decisão monocrática do ministro Marco Aurélio Mello, determinando o afastamento imediato do presidente do Senado, por ele ser réu em ação penal que dormitava há anos no Supremo Tribunal Federal.  

A violação do senador alagoano parecia refletir um conflito institucional. O Legislativo contra o Judiciário. Falou-se na “judicialização” da política. Deus nos acuda, um fiel clamaria aos céus. Que nada.

 Acudiu-nos o velho jeitinho brasileiro. Tudo demorou 24 horas. Tempo suficiente para abafar a rebeldia de Renan no manto da conciliação. Uma batalha de Itararé. Aquela que não houve.

Talvez a conjuntura fique marcada pela reação embutida na frase, um tanto presunçosa e outro tanto equivocada, do senador premiado pela desobediência às leis: “Nenhuma democracia merece isso... mesmo no Brasil não merece esse fim”.

Já não vigora no País um regime democrático, desde o golpe parlamentar. Com Dilma era uma crise. Com Temer é o caos.

Se fosse preciso provar, esse episódio demonstraria a decisão claramente política da mais alta Corte de Justiça do País. Não é comportamento inédito dos magistrados em qualquer parte do mundo. No Brasil, entretanto, tem sido mantido o mito da toga, sob a qual se abrigariam homens imparciais. 


Para manter as aparências, fez-se um ensopado da regra pela qual o réu perde o direito de permanecer na linha sucessória do presidente da República. Só que, a partir de agora, a aplicação da lei passa a depender das circunstâncias.

Criado à imagem e semelhança da Suprema Corte dos Estados Unidos, o Supremo Tribunal Federal brasileiro tem sido, nos últimos tempos, marcado por ressentimentos. Eis um exemplo ocorrido agora.

 “Não se afasta o presidente de um Poder por iniciativa individual e com base no pedido de um partido político... Não se corre atrás de um doido porque não sabe para onde ele vai”, disse Gilmar Mendes. Ao saber do comentário, Marco Aurélio respondeu: “Eu não posso acreditar. Sem comentários”.

A destituição de Renan Calheiros abreviaria em nove dias a função dele como presidente do Senado. Um tempo curto demais, no entanto suficientemente longo para votar duas controvertidas “joias” na pauta do governo de Michel Temer, como, por exemplo, a PEC do Teto dos Gastos Públicos e a PEC da Previdência. 

Importante no Congresso, vital no Senado, Renan foi premiado com a absolvição no Supremo Tribunal Federal.

Todo ato, no entanto, tem consequência. E, por razões acacianas, a consequência vem sempre depois. 

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