"A justiça criminal é seletiva e instrumentalizada para proteger o poder e o capital", por Luciana Boiteux

As prisões de políticos "corruptos" amplamente noticiadas pela mídia corporativa atendem a anseios populares por "Justiça" e legitimam a lógica de que a justiça é "neutra", pois atuaria contra todas as classes igualmente, "fazendo justiça". Portanto, se as classes altas e governantes são presos de forma espetacular, mas "justa", por crimes de corrupção, isso fortalece a "lógica" de que o sistema penal seria igualitário ao prender ricos e pobres. 

Vejam a perversidade: se esse sistema penal, portanto, seria legitimo, não teríamos porque denunciá-lo, já que pobres estariam lá por que "mereceram", por serem "naturalmente criminosos", por delitos patrimoniais e tráfico em sua maioria. Por outro lado, os ricos seriam presos apenas eventualmente porque praticariam "menos crimes". Eis o discurso do Moro salvador: a Justiça "não falha" pois, trata a todos "com igualdade", portanto, só Moro pode nos salvar... A justiça criminal é seletiva e instrumentalizada para proteger o poder e o capital. Só pobres estão presos em celas lotadas e insalubres, cumprem integralmente sua pena, não tem direito a delação premiada nem a cela especial. 

Quando ocorrem eventualmente prisões de "colarinhos brancos" e corruptos (criminosos do poder), isso se dá em meio a disputas políticas dentro da própria classe burguesa e servem apenas para legitimar esse sistema punitivo e perpetuar a dominação de classe (além de resolver conflitos internos da burguesia). Não há capitalismo que se sustente sem o sistema penal para apoiá-lo no controle dos corpos e das mentes. O discurso punitivo é estruturante para a manutenção do capitalismo, pois alimenta a perversa lógica da justiça e da igualdade do sistema punitivo, mas também do econômico, que dele decorre. Defender direitos humanos e garantias processuais é usar o discurso legalista contra o próprio sistema punitivo, é destacar as suas contradições internas. 

Hoje, é a única maneira de nós, juristas, atuarmos no cotidiano para reduzirmos os danos do encarceramento da população pobre e negra que habita nossos cárceres e que é morta pela polícia todos os dias. De fato, triste país o nosso em que o garantismo penal é revolucionário e contra-hegemônico, mas essa é a realidade brasileira para a qual temos que estar atentas na luta política.

Luciana Boiteux é advogada criminalista, professora da UFRJ e disputou as eleições 2016 como vice-prefeita do candidato Marcelo Freixo (PSOL).

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