Hora é de formar nova frente sem hegemonia do PT, diz Tarso Genro ao jornal O Globo


Ministro da Justiça, da Educação, e de Relações Institucionais no governo Lula, Tarso Genro afirma em entrevista ao O Globo que parte da derrota sofrida pelo PT nas urnas ocorreu pela incapacidade de dar um rumo mais coerente ao governo Dilma. Presidente do PT após o mensalão, Tarso defende a refundação do partido, sem hegemonia automática. Sustenta que se esgotou um ciclo.

Em 2012, o PT elegeu 644 prefeituras. Este ano, 256. O número de votos recebidos caiu de 17,3 milhões para 6,8 milhões. O partido ficou fora de disputas em redutos importantes, como Rio, São Paulo, Porto Alegre. No Nordeste, só foi para o segundo turno em Recife. Como o senhor analisa o resultado das urnas neste ano?


O resultado das urnas foi muito ruim para o PT, que saiu da condição de grande partido da esquerda, para a condição de partido médio, com menos influência na esfera política. Mas, atenção: isso se dá no âmbito de um desgaste brutal da política e da totalidade dos partidos, o que fortalece, como está ocorrendo no continente europeu, em regra, o ascenso de formações de uma extrema direita truculenta e primária. O grande vencedor destas eleições municipais, com raras exceções, foi o "ninguém", e isso é ruim para a democracia e para a República, que só se afirmam por processos políticos que mobilizem a sociedade e construam líderes políticos respeitados e promovidos na soberania popular.

O que motivou, na sua avaliação, a reação do eleitorado em ter patrocinado uma derrota generalizada do PT este ano?


Em primeiro lugar os erros do PT, cometidos na sua relação com o Estado e nas práticas tradicionais de financiamento eleitoral — adotadas por todos os grandes partidos mas que, realizadas pelo PT, têm maior gravidade, pois nos deixaram no leito comum — estão desabrigados na questão da ética pública. Isso permitiu que os nossos adversários, aliados com o oligopólio da mídia e os centros de inteligência e de formação política liberal, colocassem o PT como o fundador da corrupção no Brasil. Isso nos desgastou profundamente no senso comum do eleitorado. Em segundo lugar, esta derrota também veio da nossa incapacidade de interferir e dar um rumo reformista ao governo Dilma, para retirar o país da crise, por fora das medidas universais que vêm sendo ditadas pelo capital financeiro globalizado. Este se apropriou das políticas financeiras dos estados, a partir do controle que exerce sobre a dívida pública.

O senhor concorda com a análise do presidente nacional do PT, Rui Falcão, de que a grande perda de prefeituras é resultado de uma "ofensiva terrível" contra o partido?


Houve, sim, uma ofensiva inédita, como diz o Rui, mas nós criamos condições para que se realizasse nesta dimensão, tanto pela incapacidade de dar um rumo mais consequente e coerente ao governo Dilma, como para nos defender da condição de partido da corrupção. Basta verificar que o governo que sucedeu Dilma, que foi montado com a queda da Dilma, nada tem a ver com isso. Relaciona-se com o ajuste liberal-rentista, que vai constituindo, no seu próprio movimento de contrarreformas, tanto a sua base social, como a sua base política no Parlamento e na burocracia estatal.

Em São Paulo, há uma avaliação de que, vendo que Fernando Haddad seria o adversário de João Dória no segundo turno, o eleitor fez voto útil no tucano para encerrar a disputa. O senhor acredita que isso possa ter ocorrido?


Acho que isso aconteceu e demonstra a amplitude do bloco que se formou, não contra o PT, em especial, mas contra o campo que o partido, até então, liderava.

O que aprofundou a crise no PT? O partido teria se saído melhor se fizesse uma autocrítica?


Às vezes o nosso pessoal da esquerda confunde autocrítica com autoflagelação religiosa. Autocrítica, numa sociedade democrática, significa buscar, na verdade, onde estão os fundamentos políticos e morais dos erros cometidos na relação de um partido, que se diz social-democrata ou mesmo socialista, com a República e com o próprio projeto que este partido representa. O que fez parte do PT adotar as mesmas práticas dos partidos tradicionais, tanto na relação com o Estado como nos financiamentos eleitorais? Não se trata, para responder a isso, de apontar responsáveis por delitos, o que é função do processo penal, obedecidas regras legais. Se na época do "mensalão" tivéssemos examinado quais os erros, programáticos e de condução política, que estávamos cometendo até ali, apontando-os publicamente para a nossa base militante e para o nosso eleitorado, nós talvez não amargássemos a situação atual. Os nossos adversários, em geral, que padecem em dobro dos mesmos problemas que não soubemos superar, souberam se esconder dentro da nossa crise e tiraram um enorme proveito disso. Isso se chama derrota política. Foi o que sofremos.

Na reunião da Executiva Nacional, na última quarta-feira, houve quem sugerisse uma refundação drástica do partido, deixando o número 13 e a estrela do PT para trás. Este é o momento para impulsionar a criação da Frente Ampla, que o senhor defende há anos?


Este é o momento para impulsionar a formação de uma nova Frente, na qual o PT não tenha necessariamente a hegemonia automática, pois temos que reconhecer que o PT só pode mudar para melhor se reformar-se de fora para dentro, dialogando com todas as forças políticas democráticas, que se opõem ao projeto neoliberal de desconstituição das funções públicas do Estado, e com as forças que estão à nossa “esquerda”, tanto os novos como os novíssimos movimentos sociais em rede ou fora delas. Isso não significa negar as grandes conquistas para as quais o PT foi fundamental para forjar nos últimos dez anos, pelo menos. Significa compreender que se esgota um ciclo e que precisamos nos reinventar, em termos programáticos e organizativos, para enfrentarmos um novo tempo, de reação política, de conservadorismo econômico e de integração submissa do país, na nova ordem mundial do capital financeiro, que está sendo vitoriosa em todo mundo, com as suas “reformas”. É um tempo também de decadência da democracia representativa e de desgaste das suas instituições. É um tempo de um duplo e complexo movimento de “criminalização da política” e de “politização da criminalidade”, no qual vão emergir explosões anárquicas de radicalidade e violência em todo o mundo, e, especialmente nos países onde as classes populares, tendo pouco a perder, saem diretamente da pobreza para miséria absoluta.

Por anos, o PT foi o partido mais querido do Brasil. E agora parece ser o mais odiado. Há como se recuperar perante os eleitores?


Se o PT vai se recuperar como partido de maior prestígio popular ou não é cedo para dizer. Mas o que é certo é que, se não mudarmos muito, em breve ele sairá desta crise bem menor do que entrou. E a sua grandeza, que ainda existe em potência, será substituída por uma fisionomia lamentável: mais um partido tradicional no mercado dos votos.

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